Ascensão do Inimigo

A Guerra da Lança tinha chegado ao seu fim, grandes cavaleiros se sacrificaram para manter a paz, mas o exército maligno não tinha sido derrotado totalmente. Em sua poderosa fortaleza a Dama Azul ainda planejava um último ataque de sua Armada Dracônica aos Reinos de Solamnia. No entanto, um mal muito mais antigo foi despertado sem o conhecimento de nenhum dos lados. Um inimigo incrivelmente poderoso que usa sutilmente sua influência sombria para alcançar seus objetivos. Cabe a um grupo de bravos heróis confrontar esse perigo avassalador que a todos domina. O Sussurro das Trevas é um épico de fantasia dividido em três partes que narrará uma saga no mundo de Dragonlance.

Poema dos Seis Heróis

“A palavra será a redenção dos pecadores
Apenas o mais misericordioso a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O escudo será a proteção dos desamparados
Apenas o mais honrado o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A espada será a justiça dos oprimidos
Apenas o mais temerário a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O cajado será a lei dos desesperados
Apenas o mais prudente o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A flecha será o equilíbrio dos soberbos
Apenas o mais sábio a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O machado será a vingança dos esquecidos
Apenas o mais audacioso o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas”

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Capítulo IX - Nas Profundezas da Escuridão

Os sete companheiros entraram no íngreme túnel que serpenteava pelo interior das antigas minas de bronze da cidadela de Relgoth. Era uma senda natural de rochas sólidas e pontiagudas, de difícil travessia, embora as escadarias feitas há muito tempo ainda estivessem boas para serem usadas. Sua própria escuridão os teria derrubado se não fosse a luz que se propagava da ponta do cajado de Fizban, mas o cheiro fétido que vinha das entranhas das Montanhas de Vingaard quase os levou à vertigem. Durante um milênio aquela passagem não era usada e a natureza há muito já tinha retomado seu domínio sob as cavernas. Se não fosse pelo lance de escadas na garganta da caverna ninguém poderia dizer que havia a mão de algum homem naquele lugar amaldiçoado, ninguém poderia dizer que em algum tempo longínquo aquilo já fora uma mina de anões da colina.
- Bah! – exclamou o mercenário proscrito. – Não é exatamente uma mina do meu povo, mas sem dúvida, anões ajudaram a construir este local, pois se assim não fosse, as escadarias nem existiriam mais. Construímos lugares para durarem milênios! Nossas moradas desafiam o rio do tempo.
- Sim, meu caro Thorvalen! – comentou Valdor. – Mas se estou bem me lembrando, havia uma mina do seu estimado povo por essas bandas, não? Chamava-se Helgardin e acredito ter sido exatamente neste lugar em que nos encontramos! Estou certo?
- Helgardin? Pode até ser, pois na minha língua isso significa morada do bronze e havia muitas de nossas minas pela Cordilheira de Vingaard!
- Bronze novamente? – perguntou Orvalho da Aurora. – Esse metal é de muito valor para os humanos?
- Sim e não! – respondeu Sir Hector. – Há milênios atrás não tínhamos conhecimento do aço e o bronze era uma das melhores peças para se fazer armamento e mesmo um tempo depois ficou como um metal nobre para ser usado em esculturas e outras peças de arte, mas hoje já se tornou um pouco comum, eu acredito. Isso pode ter agravado a situação da Cidadela dos Leões no tempo da ruína de meu ancestral, Dinadan.
- Não apenas isso, meu bom cavaleiro! – falou o gnomo Dális. – Bronze é uma mistura de estanho e cobre, feita para aumentar a resistência estrutural do metal e isso realmente ocorre, pois o bronze agüenta bem a corrosão atmosférica! No entanto e, entretanto, o metal é fácil de fundir e por isso podemos ver tantas peças de escultura feitas deste metal na Cidadela também. Ótimo pra construir nossas ferramentas e o meu povo o usa para fazer parafusos, molas e as mais diversas engrenagens! Tem um tipo de energia que nós tiramos dos relâmpagos e o bronze a conduz muito bem! Ah, claro! Esta é para meu bom Valdor... Muitos instrumentos musicais podem ser feitos de bronze! Tanto os de percussão como os de sopro...
- Os sinos da Catedral do Pai de Platina são feitos de bronze – interrompeu gentilmente Diana, pois sabia que ninguém mais entendia bem o que o pequeno estava falando exatamente. – Quando foi que essas minas foram abandonadas? Há uns mil anos atrás não?
- Foi em 1027 pré-Cataclismo! – esclareceu o Heraldo. – Durante a Terceira Guerra dos Dragões! Lembro que até Sir Dinadan chegou a lutar ao lado de Huma Destruidor de Dragões, mas acho que isso não passa de uma lenda!
- Não! – discordou o cavaleiro. – Ele realmente encontrou Huma! Estavam sob o comando de Lorde Oswal no vilarejo de Seridan ao noroeste de Kyre. O lendário Destruidor de Dragões era um mero escudeiro na época.
Os heróis prosseguiram com diligência pelas longas escadarias da garganta da mina que os levava cada vez mais para as profundezas das masmorras de Vingaard.
Puderam ver um grande saguão escavado na pedra onde não podiam observar completamente seu fundo, já que era maior que o alcance da luz arcana do cajado luzente do velho mago. Havia tanto estalactites quanto estalagmites em um local úmido e empesteado de ratos e morcegos que fugiram pela simples presença dos estranhos intrusos. Entre as sombras das formações naturais quase não podiam ver os carroções de mineiros que ainda estavam lá, junto a caixas extremamente deterioradas e vários corpos putrefatos que não passavam de esqueletos agora. O cheiro dos séculos era nauseante, mas o mais perturbador era o silêncio que se estabeleceu com a saída dos animais peçonhentos. Nem a elfa era capaz de escutar algo e aquilo começou a ser mais assustador que a enorme escuridão profunda que se alastrava pelos túneis.
- Hum, há muito esse lugar não é incomodado realmente! – informou o mago fazendo alguns companheiros se assustarem por ter falado de repente. – Estamos a uns cem metros abaixo da entrada.
- Balela! – resmungou o anão da colina olhando atentamente para as paredes e tocando o chão. – Estamos precisamente a sessenta e três metros abaixo da Cidadela Fantasma e aqui ainda é um pouco íngreme e escorregadio se querem saber. Fiquem de olhos abertos!
- Desculpe! – disse Fizban. – Acho que meus sentidos de anão não são tão bons como os seus, eu presumo! – e ninguém entendeu o que aquele velho queria dizer com isso, já que de fato não era um anão. – Foi àquela subida lá atrás sabe? Antes de chegarmos à Cidadela Fantasma. Não costumo a subir muito, apenas a descer, mas é bom saber que estamos indo mais a baixo!
- Orvalho de Aurora! – chamou Sir Hector. – O que seus olhos podem ver ao fundo deste local?
- Não muito, pois a luz do mago é fraca! – respondeu. – Mas acho que tem uma fenda trespassada por uma ponte não muito ao longe!
- Ora! – falou indignado o velho. – Se não gosta da minha luz faça uma você mesma! Não precisa a magoar assim! Saiba que o pai dela já iluminava locais como este bem antes de você vir ao mundo, sua kagonesti insolente!
- Cha! – exclamou assustada. – Não quis lhe ofender, Fizban! Suas habilidades mágicas sempre nos ajudaram, só disse que se a luz fosse maior eu veria mais! Desculpe! O senhor não me entendeu...
- A senhorita que não entendeu! Eu não me ofendi, foi a luz que se ofendeu! Coitadinha, ela ainda é uma criança e não sabe iluminar muito!
- No Monte Deixapralá estamos tentando fazer com que aquela energia dos relâmpagos sirva pra pôr em lampiões! Seria uma criação meio complexa, mas máquinas pequenas e simples são criadas por mentes pequenas e simples. Enfim, assim acreditamos que será de duração bem mais longa, embora a luz do gás que sai das profundezas do Monte já nos ajuda um bocado, mas é meio complicado extrair sabe? Muito inflamável aquilo e já causou certos acidentes explosivos! Uma vez, eu estava...
- Bah! – se irritou Thorvalen. – Não vamos ficar aqui discutindo com um mendigo louco e uma maritaca! Temos que continuar, pois as pessoas de Relgoth contam conosco! Vamos logo e fiquem todos de olhos bem abertos!
Continuaram pelo salão escuro até poderem examinar melhor os carroções dos mineiros. Eram feitos de metal que já estava, há muito, enferrujado pelos milênios de existência. Tinham estranhas rodas e de fato havia um estranho caminho feito de duas linhas de metal transpassadas por passarelas de madeira desgastada, mas ainda em suas posições originais.
- Olhem! – disse a elfa selvagem. – O que seria isso?
- São trilhos! – respondeu Sir Hector. – Eles levam os carroções de forma mais rápida pelas minas já que seria impensável pôr um cavalo aqui! Foram feitos pelos anões, mas com a supervisão dos gnomos eu acho!
Naquele momento todos olharam para Dális esperando alguma explicação de como funcionaria aquele estanho veículo.
- Ah, sim! – respondeu o pequeno gnomo. – Isso é criação da Guilda dos Transportes e seria impossível viver no Monte Deixapralá se não fosse por trilhos como este. Claro que também tem os elevadores, mas está invenção nunca deu muito certo, o que é ótimo! Sabe, sempre acabam saindo uma em três pessoas machucadas por usar os elevadores. Entretanto e, no entanto, estes trilhos são ótimos, muito seguros de fato! Se bem que temos muitos lá no Monte e acaba um batendo no outro às vezes e quando estão em alta velocidade, e acreditem quando digo que é muita velocidade, eles batem e causam um estrago danado! Claro que é uma ótima oportunidade para fazer reparos e aperfeiçoar algumas coisas, apertar os parafusos, como dizemos, mas a última vez que isso aconteceu... Nem queiram saber, sabe?
- E não queremos saber mesmo! – esbravejou o anão. – Bah! Alguém cale a boca dessa matraca antes que eu mesmo o faça!
- Calma! – disse Sir Hector. – Vamos continuar.
O grupo seguiu pelo salão, mas sem o silêncio desejado por Thorvalen, pois Dális se animou a falar sobre todas as invenções da Guilda dos Transportes e seus veículos malucos que ninguém compreendia.
Orvalho da Aurora tentou examinar o local, mas percebeu que sua modesta habilidade de rastreio era inútil no subterrâneo. O anão da colina tinha realmente mais jeito com aquele lugar e ela percebeu que seu amigo finalmente parecia estar em casa, já que as profundezas da terra eram tanto o lar do povo de Thorvalen quanto as florestas eram para ela. Ficou de certa forma feliz com aquilo, mas sua atenção se desviou, pois percebeu uma movimentação estranha em um dos carroções enferrujados.
A elfa foi se aproximando, com seu arco longo retesado, tendo o máximo de cautela com a qual fora treinada e espiou dentro do transporte. Escutou um som e teve que se empertigar para ver devido à altura do estranho veículo. Súbito o carroção se desequilibrou com o peso e virou para o lado de Orvalho da Aurora, que agilmente se esquivou para trás. Entretanto um corpo esquelético caiu sobre ela, agarrando-a de modo que ela não pudesse atirar com sua arma. A jovem druidisa então berrou pelos companheiros:
- Tanderesth! – gritou ela pedindo por socorro. – Quen Talas Uvenelei!
Todos se prontificaram a atender ao pedido de socorro da amiga, mesmo aqueles que não entendiam a língua élfica. Mas foi apenas um deles que chegou realmente rápido retirando o esqueleto de cima da jovem.
- Estais bem? – perguntou Sir Hector. – Se machucou de alguma forma?
- Não, mas ele me atacou! O morto me atacou! Um lugar amaldiçoado realmente!
- Balela! – disse Thorvalen. – Apenas virou o carroção e um corpo caiu sobre ti! Elfa maluca! Teu grito deve ter acordado realmente os mortos agora!
A kagosnesti se sentiu envergonhada pelo ocorrido e encolheu o corpo com tristeza nos olhos. O Cavaleiro de Solamnia percebeu isso e a abraçou com carinho. Primeiro ela tentou lutar contra o gesto amigo, mas desistiu pela força e vontade do homem que arriscou algumas palavras na linguagem dela:
- Sinpah-thalui – disse. – Calma! Está tudo bem!
O neidar proscrito se apiedou dela e pensou se não teria dito palavras duras demais sem motivo. Refletiu em pedir desculpas ou ao menos mostrar que estava arrependido, mas Thorvalen era um anão no fim das contas e não fez nada disso, apenas juntou suas coisas e instigou todos a continuarem...
Finalmente chegaram à ponte e perceberam que ela era feita apenas pelos estranhos trilhos dos mineiros. Assim era uma ponte estreita e vazada. A distância de cada madeira paralela à outra era de um passo largo. Todos concluíram que poderiam passar, mas seria uma tarefa trabalhosa, sem levar em conta que com o tempo que aquilo fora construído, qualquer uma das madeiras poderia ceder com o peso de um deles.
- Será uma grande queda! – disse Valdor olhando para Orvalho da Aurora. – Não vejo o fundo da fenda!
- Também não posso ver! – afirmou ela. – Mas escuto uma queda d’água!
- Bom, esqueças as tábuas! – informou o anão. – Andem pelo trilho de metal que é mais seguro. Bah, se ao menos tivéssemos um corrimão...
- Isso pode ser feito! – Falou a elfa com alegria. – Quanto é a distância até o outro lado Thorvalen?
- Acho que uns dez metros! Por quê?
- Ótimo!
A jovem retirou uma flecha da aljava de Silvannos que tinha a ponta bifurcada e laminada. Amarrou sua corda na outra extremidade da seta e disparou com seu arco longo atingindo o outro lado do abismo.
- Alguém mais tem outra? – perguntou testando a corda para ver se estava bem firme. – Assim teremos um ótimo corrimão!
- Eu tenho! – respondeu Valdor. – E esta é feita pelos elfos também, assim será bem leve, embora muito resistente!
Orvalho de Aurora retesou seu arco novamente e mais uma vez atingiu o outro lado da fenda. Seus disparos foram perfeitos e, amarando as outras extremidades das cordas perto de onde estavam. Um forte corrimão se formou junto à ponte. Assim a travessia não foi muito laboriosa e todos passaram com certa facilidade. Apenas o gnomo Dális teve certa dificuldade, mas foi prontamente ajudado pela sacerdotisa Diana a atravessar. Quando todos se lembraram do velho mago, e pensaram em ajudá-lo; descobriram que de alguma forma ele já tinha atravessado e os esperava impaciente para continuar com a demanda. Estavam um pouco cansados, mas resolveram continuar mais um pouco.
Encontraram três corredores ao fundo, dois indo para sua direita e apenas um dando à sua esquerda. O trilho seguia pelo corredor do meio, ou o primeiro da direita, e seria o caminho mais óbvio pela conclusão deles. Thorvalen pediu a todos para esperarem e analisou atentamente aquelas passagens.
- Todos os túneis aqui descem, menos o da direita sem trilho! – informou o mercenário. – Apenas sinto vento pela passagem do trilho e esta, junto às outras, tem a terra mais fofa e úmida; logo, acredito que estamos perto de algum tipo de lençol freático ou mananciais. A passagem mais à direita é curta e é o único caminho que não recomendo a ir.
- Por quê? – perguntou o mago Fizban. – Se é o mais curto, então poderemos chegar mais rápido, oras! Que tipo de anão é você?
- Quero dizer que é um beco sem saída, seu velho louco!
A discussão foi interrompida pelo disparo repentino do arco composto de Orvalho da Aurora. Todos estranharam, pois ela disparou ao escuro da passagem à esquerda e armou novamente sua arma para mais um tiro. Assim ela resolveu esclarecer sua atitude e avisar aos outros:
- Hai-sin! Thanth udovein mallah! Estamos sendo observados! Não sei o que ele é, mas o acertei! Essa maldita luz sempre me atrapalha!
- Ah, se é assim sinto muito! – desculpou-se Fizban erguendo seu cajado. – Vou apagá-la então! Dumak!
- Não velho! – disse Valdor. – Não vamos enxergar assim!
As trevas atingiram inexoravelmente a todos os companheiros! A situação, que já era desesperadora, agora, sem a luz do mago, tinha ficado ainda pior. Mesmo para o anão neidar e a elfa kagonesti que enxergavam no escuro, pois demoraria ao menos um tempo para sua visão noturna se adaptar à repentina falta da iluminação. Um tempo suficiente para o que quer que os estivesse atacando poder feri-los de surpresa. Assim logo puderam ouvir um som forte como o zumbido de um grande besouro que se propagou pelos túneis, mas foi abafado totalmente pelo berro de desespero e dor que o heraldo Valdor proferiu ao cair pesadamente no chão. Sir Hector bradou pelo amigo, mas em vão, pois não podia ver nada naquelas profundas e obscuras minas.
Orvalho de Aurora sabia daquilo. Tinha que encontrar um meio de fazer com que todos enxergassem, mesmo sacrificando a vantagem que ela e seu amigo Thorvalen tinham. Sabia que aquelas criaturas tinham acertado seu companheiro no escuro, logo elas também possuíam visão noturna. Precisava encontrar um meio de dar vantagem aos amigos e causar desvantagem ao inimigo. Precisava dar um jeito de virar o jogo! Então, refletindo rapidamente, ela sabia exatamente o que fazer.
- Mãe Natureza venha a mim – iniciou uma prece. – Mostre que está em todos os locais incluindo nestas malditas masmorras! Revele meus inimigos que estão sob o manto protetor da escuridão. Permita que meus companheiros os vejam tão claro como vêem a luz dos vaga-lumes mesmo na mais profunda das noites.
Assim uma fraca, mas perceptível luz começou a emanar dos próprios corpos daqueles agressores e estes não podiam mais se esconder nas sombras das masmorras de Vingaard. Eles brilhavam como brilham as fadas e todos podiam vê-los agora.
Criaturas horrendas. Não eram homens, não eram peixes, mas tinham um pouco de ambos. Seres encurvados de calda delgada e olhos bulbosos que vinham do túnel à esquerda, alguns sem armas e outros portando azagaias.
Sir Hector e Thorvalen investiram com seus respectivos escudos ao mesmo tempo, mas apenas o oponente do anão foi arremessado para trás, se estatelando na parede e caindo morto. O cavaleiro ainda precisou sacar a espada e realizar mais um golpe contra a dura coxa de seu oponente, decepando-a.
A clériga se pôs a encontrar Valdor para poder cuidar de seus machucados. Conseguiu achar o heraldo facilmente devido aos seus gritos horrendos e pode enfim tocar em seu ferimento, pungido por uma das pequenas lanças daquelas vis criaturas.
- Cavaleiro Valente ajude-o – rezou Diana. – Se for de tua vontade cure esses machucados para que ele possa levar o bem a esta total desolação.
O velho tocou o ombro da sacerdotisa e lhe deu um sorriso que não pôde ser visto na escuridão. Entretanto a clériga se sentiu confortada tanto pelo toque do mago como pela reação de Valdor que se levantou rapidamente depois de estar curado completamente.
- Eu tenho uma magia ótima pra essas ocasiões, mas sempre me esqueço do nome dela! – disse Fizban à mulher. – O pior é que esta é minha magia preferida!
- Procure em seu livro homem! – falou Diana retirando uma tocha de sua mochila – Precisamos de sua ajuda agora mais do que antes!
Instintivamente a sacerdotisa retirou um dos saquinhos que levava na cintura e delicadamente derramou seu conteúdo na ponta da tocha.
- Paladine, O Senhor dos Dragões! – exaltou ela, voltando a suas preces. – Aquele que comanda os Deuses do Bem, a fonte luzente da Cúpula da Criação! Rogo a ti, meu pai, que traga sua luz a nós e expulse a escuridão!
A ponta da tocha teve um fogo branco ateado que iluminou boa parte do local oferecendo mais ajuda ao mago e seu grimório de magias do que os dois companheiros que estavam em combate com as criaturas.
- Pronto! – disse a sacerdotisa. – Essa chama não se apagará nunca! Agora, por favor, procure a magia que falou em seu livro, meu querido Fizban!
Os dois homens de armas continuavam à frente, alheios à luz eterna de Diana, confrontando e chamando a atenção dos inimigos para eles mesmos, dando tempo para Valdor se recuperar.
Thorvalen talhou com seu machado mágico dois daqueles monstros e prosseguiu sua caminhada da morte. Sir Hector golpeou com sua espada um oponente que não caiu, mas seu segundo ataque, um corte de giro, acabou dividindo seu inimigo ao meio.
- Skum! – bradou o anão. – São skuns estes malditos!
- O quê? – perguntou gritando o Cavaleiro de Solamnia enquanto atacava mais uma criatura. – Eles são o quê?
- Homens anfíbios que vivem em cavernas! Meu povo vive tendo que tirar esta peste dos subterrâneos! Esperemos não encontrar nada pior...
A elfa selvagem pensou em pegar seu arco e atirar contra aquele bando de criaturas hostis, mas contemporizou melhor sobre aquilo. Ela poderia acertar seus novos companheiros na confusão daquela contenda. Julgou que seria mesmo melhor fazer outra coisa.
- A Natureza ainda está aqui! – disse Orvalho de Aurora. – Então que ela se erga! Levante e retome este lugar maldito! Que tua fúria prenda aqueles que abusam de ti, oh grande mãe de todos!
Ervas daninhas começaram a brotar do chão de dentro das frestas e rachaduras que havia em todo lugar. Trepadeiras cresceram e se enrolavam sobre os corpos dos anfíbios skuns prendendo seus movimentos e esmagando os ossos de alguns. Sir Hector e Thorvalen quase foram pegos junto às folhas.
- Que sortilégio novo é esse! – resmungou o anão. – Pare com isso já que eu ainda tenho que apresentar minha Lâmina Glacial a muitos deles!
Entretanto, apesar da bravata, o experiente mercenário não viu quando uma das criaturas, que escapou da magia élfica, pulou por cima das plantas e foi ao encontro dele. Caiu sobre seu corpo e mordeu Thorvalen no pescoço, arrancando um pedaço de sua pele e fazendo jorrar uma quantidade enorme de sangue. Sir Hector ergueu sua espada para ajudar o amigo, mas o skum caiu morto vitima da adaga afiada de Dális que foi arremessada contra ele pelo próprio gnomo.
- Veja! – disse Diana. – Eles ainda precisam de nossa ajuda, meu bom senhor! Vamos, mago! Use com presteza tuas palavras arcanas!
- Ah, é essa mesmo! – exclamou Fizban que, retirando algo mal-cheiroso de sua bolsa, e se pôs a fazer gestos estranhos, mas muito precisos e ritualizados. – Muito obrigado minha filha! Ast kiranan kair-soth aran.
- Pela Canção da Vida, não! – gritou Valdor para os guerreiros. – Saiam logo daí vocês dois!
Uma esfera flamejante irrompeu o ar a partir da mão do mago enquanto Sir Hector e Thorvalen fugiam na direção oposta. A bola de fogo acertou uma das criaturas e explodiu violentamente no túnel. Ateou chamas em todos os skuns daquele bando maligno e o choque fez com que as pedras das paredes e do teto desmoronassem e se algum daqueles monstros sobreviveu à poderosa magia de Fizban, eles com certeza deviam ter morrido no desabamento da caverna.
Diana aproveitou para ver se Valdor estava realmente bem, mas o heraldo já estava recuperado devido à magia de cura da Reverenda de Paladine. Assim foi até Thorvalen para ver seu ferimento...
- Balela! – exclamou ele. – Não preciso de sua ajuda!
Mesmo sem o consentimento do mercenário a sacerdotisa invocou novamente seu Deus e o curou. Tão logo sanado da mordida do monstro o anão da colina foi até os escombros provocados pelas palavras de poder do mago e analisando o local voltou a resmungar:
- Bah, magia! Agora não podemos tomar este caminho! Vamos ter que seguir os trilhos mesmo!
- Temos ainda o outro caminho da direita! – disse Fizban. – Por que você não gosta dele? Ele fez algo a você, mestre anão?
- Pelas barbas de Reorx! Este velho é pior que o gnomo! Vejam bem, melhor decidirmos isso logo, pois aquilo são skuns e se forem liderados pelo que eu estou pensando, a coisa vai ficar pior!
- Como assim? – perguntou Dális. – Quem os lidera? Seria um homem peixe gigante? Um anfíbio sedento por sangue? Uma criatura cheia de tentáculos? Talvez um Dragão! Espero que não seja um, pois essas criaturas são implacáveis sabe? Ouvimos muitas histórias no Monte Deixapralá contadas pelos senhores dos cavalos...
- Escutem! – interrompeu Orvalho de Aurora. – Estão escutando isso?
Ninguém respondeu a elfa kagonesti que se colocou rapidamente a entrar na passagem da esquerda e foi assim seguida pelos demais. O velho mago ainda deu um sorriso vitorioso para Thorvalen que resmungou algo baixo, mas parou quando finalmente tinha escutado o que sua companheira ouviu lá atrás.
Agora todos podiam ouvir os horrendos sons vindos do fim daquele túnel, aquilo que tinha consternado tanto sua amiga. Os sete companheiros instintivamente se colocaram a correr a fim de ajudá-la.
Não era uma longa passagem como o anão neidar já tinha revelado e sem demora chegaram a um corredor para ver uma das coisas mais tristes que tinham visto em vida.
- Uma masmorra realmente! – afirmou Fizban, O Fabuloso. – A Masmorra de Vingaard!

domingo, 10 de outubro de 2010

Capítulo VIII - A Cidadela Fantasma

Os capangas estavam dentro do casarão, escondidos da pesada chuva de fim do mês juventerde, que lavava a Cidadela dos Leões de Bronze. Não era a profissão que eles almejavam, oras, não era o ofício desejado por ninguém, mas ao menos trabalhar para o Chifre Quebrado lhes rendia comida no prato. Os tempos eram difíceis, como se dizia, e eles não tinham nada do que reclamar. Essa era a frágil e desesperada justificativa para o banditismo.
Apenas dois homens guardavam a entrada da fortaleza secreta daqueles escravocratas e era mais do que suficiente. Wunibald e Horst, um meio-elfo, eram homens experientes naquele negócio e, afinal de contas, poucas pessoas sabiam da existência daquela perversa guilda e um número ainda menor sabiam onde se instalava a sede da infame organização maligna.
Um casarão antigo e aparentemente mal-cuidado. Entretanto é apenas um disfarce para um local cheio de passagens secretas e cujos níveis baixos levam a uma cadeia complexa de túneis. Mesmo em uma invasão seria difícil prender e confiscar todos os bens daqueles marginais. Tudo dava a eles a vantagem sobre a guarda da cidade, que mesmo se descobrisse o local, teria uma dificuldade imensa de vasculhar todas as salas escondidas.
Assim não era muito laborioso para os capatazes ou era pelo menos o que aqueles vis criminosos pensavam. Estavam sentados confortavelmente em cadeiras de mogno sob a luz de lampiões na sala de entrada onde faziam o de sempre: jogavam Rei e Rainha, um jogo de cartas famoso entre os mercenários e as tavernas sem classe. Foi quando Horst, sem o menor aviso, levantou-se parecendo ter pressentindo algo. Wunibald, que conhecia muito bem aquela expressão do amigo, olhou com cautela exagerada e perguntou ao colega:
- O que foi? – disse. – Consegue escutar algo com essa chuva?
- O Cântico do Dragão – respondeu o meio-elfo. – Não acredito nisso!
- O quê?
Tão logo disse isso o descendente dos elfos e, abrindo a porta da entrada principal, saiu para a Rua dos Pedreiros. Mesmo vendo a origem do som o capanga não podia acreditar naquilo. Havia no meio da rua um homem loiro que tocava um modesto alaúde. Um heraldo cantando em meio àquela chuva!

“Paladine, o Grande Deus do Bem, resplandeceu ao lado de Huma,
fortalecendo a lança que ele carregava em seu braço direito,
e Huma, radiante como mil luas, baniu a Rainha das Trevas,
baniu as hostes de convidados barulhentos dela
e os mandou de volta para o reino insensível da morte,
onde suas maldições foram lançadas sobre o vazio absoluto
muito distantes da terra iluminada.”

Sem entenderem o que estava acontecendo os dois bandidos se entreolharam e foi o meio-elfo que perguntou:
- Será que ele está bêbado?
- Provavelmente Horst! – respondeu Wunibald. – Mas deve ter algum dinheiro com ele ainda. Vamos pegar!
- Ótimo!
Então os inescrupulosos marginais saíram de sua guarda e foram à rua para se aproveitarem do embriagado bardo sem saber que não estavam sozinhos na verdade. Eles não ouviram as flechas certeiras como a morte atingi-los, bem como nenhum outro membro da criminosa guilda percebeu seus dois porteiros se estatelarem pesadamente e sem vida no chão.
Enquanto isso, um homem entrou rápido como um relâmpago pela porta entreaberta da sede do Chifre Quebrado e sem a menor cerimônia passou pela sala de entrada e abriu a próxima e única porta que havia naquele local. Como seu movimento foi natural, os criminosos que lá estavam demoraram a perceber que não era um dos seus que estava entrando na secreta fortaleza, mas com toda a certeza não era um deles mesmo!
Era um humano no auge de seus quase dois metros de altura e possuidor de um corpo incrivelmente forte. A armadura de aço que o protegia tornava-o ainda mais ameaçador, entretanto foi o emblema em seu escudo que assustou os bandidos. Estava desenhado um martim-pescador com escudo no peito, uma coroa na cabeça e pisando em uma espada emaranhada de rosas. O símbolo da cavalaria, assim aquele indivíduo se tratava de um Cavaleiro de Solamnia.
Aqueles tratantes mal podiam reagir à celeridade do poderoso guerreiro que golpeou com seu escudo dois deles antes dos outros se colocarem em pé para combatê-lo adequadamente.
Um bandido golpeou o homem armadurado que sacou sua própria arma e se defendeu. O choque das duas espadas fez a lâmina chanfrada do criminoso quebrar dando ao homem de armas tempo suficiente para golpear a perna de seu oponente o deixando fora de combate.
Outros investiram contra o invasor e somente um deles foi mais rápido apenas para ser atravessado pela espada do nobre cavaleiro, mas aquilo era uma finta, uma elaborada distração. Enquanto os bandidos confrontavam o homem, um capataz tentava fugir a fim de avisar o resto da guilda sobre aquela súbita invasão. Entretanto um machado de guerra ganhou o ar passando rente à cabeça do solâmnico. A arma silvou pelo corredor e acertou o marginal em cheio, silenciando-o eternamente na escuridão da morte.
Os poucos que ali sobraram foram postos a dormir pelas palavras vacilantes, mas poderosas do velho arcano. Um homem de mantos desgastados que há muito não dava mais para identificar sua cor encardida pelo tempo. Muitos o tomariam apenas por um mendigo louco.
Um anão das colinas retirou sua lâmina gélida do homem que acabara de morrer e, junto ao membro da cavalaria solâmnica, continuaram a seguir com velocidade, não dando chance a avisos e alertas. Ambos eram ajudados pela espada sagaz do jovem heraldo, pelas flechas certeiras da elfa kagonesti e pelos conselhos do excêntrico mago que os acompanhava diligentemente.
O fim do corredor revelava mais uma porta e atrás delas mais capatazes da guilda do Chifre Quebrado vieram se bater contra os heróis. O cavaleiro não gostava de usar a sua ornamentada espada longa, mas eles eram muitos e crianças inocentes dependiam dele; muito dependia dele. Aquele vil ofício tinha que acabar, aquela era uma parte esquecida da cidade, uma cidadela fantasma, mas ele ainda se lembrava.
Os cinco companheiros foram descendo os níveis, por vezes secretos, da sede da organização. Muito deviam ao velho por saber o local e exatamente por onde continuar, mas foi o heraldo que desarmou a maioria das armadilhas que protegiam os segredos da sede daquela maligna guilda. Isso tornou tudo mais rápido, como eles queriam, como precisavam e os poucos bandidos que ousaram impedir aquela empreitada foram rechaçados implacavelmente como uma onda inexorável.
Logo chegaram às masmorras e encontraram aquilo que estavam procurando. As crianças que seriam vendidas como escravas ainda estavam ali, bem como o pequeno e intrépido gnomo...
- Ah, mas vocês são muito bem-vindos – disse Dális. – Pensei que já tinhas se esquecido de mim. Talvez tenham se lembrado, mas de memórias ruins e decidido me largar aqui para ser vendido. No entanto e, entretanto, talvez meu aclamado destino tivesse, de certa forma, sido uma jornada deveras interessante, pois nunca tinham tentado me vender antes! Receio que se não fosse pelos maus tratos eu lhes diria que preferiria ter ficado, já que fiz tantos bons amiguinhos aqui! Sim! Entretanto e, no entanto, vale lembrar que faço bons amigos em qualquer lugar, pois sou um gnomo muito agradável de se conversar. Sempre pronto a escutar sabe?
A criaturinha foi interrompida pelo velho que simplesmente a jogou para o lado da cela. Os outros companheiros estranharam a atitude vinda de alguém tão debilmente inofensivo, mas logo entenderam seu motivo. O arcano se ajoelhou em frente a uma das crianças e a segurou nos braços com todo o carinho. O garoto estava doente e o cavaleiro rapidamente o pegou nos braços.
- Essa é a criança que devemos salvar primeiro! – disse Sir Hector. – As outras que puderem andar venham comigo!
- Cha! – exclamou a elfa Orvalho da Aurora. – Essa deve ser a doença que tanto falaram da hospedaria! Deixe-me ajudar o pobre menino!
A kagonesti então tocou no enfermo que estava aos braços do nobre solâmnico e fez uma prece a sua Deusa Chislev. Entretanto ela assustou quando percebeu que nada acontecia, mesmo com o poder da natureza fluindo de seu caloroso toque.
- Kith’pah goray! – disse a druidisa. – Que os espíritos nos protejam, pois eu não consigo sanar o mal que aflige essa criança!
- Exatamente como ouvimos na taverna! – falou o Thorvalen. – Nem as clérigas curam essa doença! É como as antigas pragas anãs! Reorx guie essa alma a sua forja ardente!
- Muito próximo a isso mestre anão! – respondeu o heraldo. – Já tivemos uma praga assim antes, que não há forma alguma de sanar seus efeitos. Não há nada a fazer...
- Não? Meu caro Valdor! – respondeu Fizban, o velho mago. – Mesmo agora ainda há esperança!



Ela arqueou as costas para trás até o limite de sua espinha em um prazer febril e de pleno êxtase. Jogou-se sedutoramente dengosa sobre o corpanzil de seu amante que perguntava a si mesmo se sua vida poderia ser melhor do que era naquele exato momento. O homem acariciava o corpo cálido dela deslizando seus dedos na pele macia e de brilho bronzeado, que o fazia lembrar-se de sua terra. Entretanto ele estava bem longe de sua cidadela e ficou contente por essa virada em sua vida.
Sim, Marhaus Launwaine tinha saído de uma malfadada batalha como comandante de uma singela brigada solâmnica para cair nas graças da maior marechal dos Exércitos Dracônicos. Ela mesma tinha o tornado um dos seus Senhores dos Dragões e agora ele tinha uma jovem, mas mortal, Dragoa Azul sob seu comando. Sua Relgoth não podia lhe dar algo assim, nem se ele fosse respeitado como deveria. Viveu tanto tempo na sombra de seu irmão e agora estava em uma posição que Sir Hector nunca alcançaria.
- Em que está pensando? – disse Kitiara. – Ainda pensa em seu pai?
- Não! – Marhaus respondeu acariciando os curtos cabelos da mulher e percebeu apenas agora o quanto gostava de agradá-la. – Penso ainda em minha terra, mas agora é uma lembrança distante. No entanto, receio que logo receberemos notícias deles, pois eles virão à procura de seu filho desgarrado.
Havia um pesar profundo nas palavras do forte homem de armas e a Dama Azul percebeu isso nitidamente. Ela acariciou o peito daquele homem lhe dando seu sedutor sorriso torto que sabia: o solâmnico adorava.
- Não se desgaste com isso Marhaus, meu querido! Que venham os exércitos auriverdes, pois você repelirá a todos e protegerá a cidade que eu lhe concedi com tanto mérito!
Mérito! Isso era verdade? Pensou ele. Qual foi a honra naquilo, se ele ganhou a cidade por trair sua terra, seus ideais e sua família. Não, aquilo era uma vergonha e ele fazia parte daquilo, mas esses pensamentos logo saíram de sua cabeça sob as delicadas mãos de Kitiara que cofiava o bigode de Marhaus.
- Acho melhor fazer a barba – disse ela sendo acariciada intimamente por seu amante. – Hum, estamos fogosos hoje...



O Salão dos Escudos no Palácio de Vivianne estava mais uma vez lotado pelos Cavaleiros de Solamnia, preocupados com suas deliberações. Tinham que levar luz à escuridão que tomou conta da Cidadela dos Leões de Bronze trazendo novamente a esperança ao seu povo. Aquela perversa doença tinha que ser vencida, mas nenhum dos cavaleiros parecia ter a menor idéia de como sanar algo que nem as hospitalárias de Mishakal sabiam curar. Eram tempos ruins aqueles que assolavam Relgoth, pragas que se tornavam arauto de guerras.
- Não apenas essa praga que temos de resolver – pronunciou o Barão Baldwin. – Temos de abrir as cortinas sombrias que cobrem o destino que o Batalhão de Marhaus teve em tão distantes terras.
- Concordo Milorde! – disse Sir Hector. – Entretanto as questões de nossa gente ainda permeiam minha mente, ao menos. Eu tive uma criança com aquela maldição em minhas mãos e sei dos horrores da praga. Nossa amada cidade irá sucumbir se não fizermos nada! Aqui será uma cidadela fantasma...
- Pela minha espada! – exclamou Sir Raymond. – Como faremos isso se nem com a ajuda dos Deuses podemos contar!
- Isso não é um fato! – afirmou Sir Caleddin. – Vemos o plano geral dos eventos ou sabemos os desejos dos Deuses com isso?
- Sabemos bem! – respondeu Sir Dervel. – Fomos amaldiçoados pelo vento negro, isso sim! A Torre de Morgion está na Cidadela de Bronze!
Os cavaleiros ficaram apreensivos com as palavras agourentas de Guardiãorreal e um tumulto se iniciou em todo o salão. Foi quando o único de fé inabalável, o líder dos cavaleiros da espada Sir Borns, esclareceu:
- A esperança ainda não nos abandonou! Existe, como deveriam saber, um lugar místico ao leste das Cordilheiras de Vingaard chamado Fontes da Cura muito próximo ao Monte Cendar. Sabemos desse local sagrado, pois foi de onde vieram as águas da antiga Senhora do Lago! Uma vez foram trazidas essas bênçãos e podem ser buscadas novamente.
- Não passam de lendas do Palácio de Nimue que está em ruínas. – contrapôs Dervel. – Aquele local amaldiçoado há muito sucumbiu pela ganância das minas de bronze. O lugar agora não passa de sombra e pó.
- Entretanto as fontes podem existir ainda – argumentou Caleddin. – Poderíamos mandar alguém para averiguar isso, milorde!
- Sim! – afirmou o Barão de Relgoth. – Mas com tão poucos homens, quem poderíamos mandar?
- Eu vou! – respondeu Sir Hector. – E não levarei mais nenhum dos nobres cavaleiros comigo, esta é uma missão para um pequeno grupo!
- Que assim seja! – voltou a falar o velho Launwaine. – No entanto, temo pelo povo, pois será um longo caminho contornar as montanhas de Vingaard.
- Não irei contornar! – esclareceu seu filho. – Tomarei a antiga via para a Casa de Inverno! Irei por dentro das montanhas do antigo Palácio de Nimue.
- Então irá pela Cidadela Fantasma! – exclamou o pai. – Filho, aquela é a perdição de Dinadan! As minas não passam de ruínas malditas...
- Sim! – afirmou Sir Borns Brochvael. – Entretanto Sir Hector, filho da Cidadela de Bronze, não irá sozinho! Pedirei à minha amada esposa lhe indicar uma sacerdotisa pessoalmente para acompanhá-lo naquela senda lúgubre.



O Palácio de Khalaran Shirak era, diziam alguns, um refugio mágico do maior mago de todos os tempos. Segundo a lenda Magius teria deixado ali um de seus grimórios de viagem e talvez, neste livro arcano, teria a mais poderosa magia já criada por um humano, a Luz Verdadeira de Magius, ou na língua dos magos, Magius Khalaran Shirak.
Entretanto os atuais habitantes do ancestral palácio, centro da cidade que hoje chamamos de Olmeiro, não têm a mínima idéia de onde estaria aquele tão procurado Grimório de Magius. Outro livro; não mais antigo, mas bem mais perverso, estava ocupando a mente daqueles que lá se encontravam.
A soberana da cidade Lady Herra fazia as honras aos visitantes naquela tarde chuvosa da última semana do mês juventerde. Ali estavam o Arquimago de Mantos Negros chamado Velthorm e sua discípula Selanthara. Juntos esperavam a chegada do Senhor dos Dragões Marhaus Launwaine. Entretanto a chegada de seu comandante não demoraria muito...
- Ah, finalmente temos o ar da sua graça, meu senhor! – disse com tom de chiste o Mago Negro. – Parece que finalmente Kitiara uth Matar o deixou se levantar de tua cama!
- Mais um comentário desses, Velthorm, e quem não levantará mais é você! – respondeu nervosamente o solâmnico. – Não é para brincadeiras que estamos aqui, não?
- Não meu senhor, me desculpe!
- Então... O livro já está contigo?
- Sim! Pude finalmente decifrar o livro que Harkiel me entregou e agora posso não apenas indicar onde está a Última Torre como saber que perigos podemos encontrar e como despertar o Antigo!
Isso era uma boa notícia sem dúvida. Marhaus sabia do desejo da Dama Azul em trazer de volta sua amada Rainha das Trevas, mas não sabia como atender esse desejo. Assim ele traria outra criatura para ajudá-la na sua guerra! Não sabia exatamente a extensão dos poderes do Antigo, mas se os sagrados heróis do Rei-sacerdote não puderam destruí-lo, então suas habilidades deveriam ser no mínimo extraordinárias.
- A Lorde Suprema dos Exércitos Dracônicos já partiu, mas me deu uma permissão para entrar em Noturna – falou Marhaus. – Teremos que tomar cuidado extra nesse lugar, pois um mal terrivelmente medonho habita aquelas terras.
- Será a Noite do Olho no último dia deste mês – revelou o arquimago. – Devemos chegar lá nesta data!
- Então temos três dias!
- Sim, Selanthara! Ficará novamente com o controle total de Olmeiro e não falhe comigo! Confio essa cidade à discípula de Velthorm!
- Confiança que não será em vão, meu senhor! – respondeu ela com uma mesura. – Comando as tribos goblins unidas e não o decepcionarei!
Assim o Senhor dos Dragões Marhaus e o Arquimago de Mantos Negros Velthorm partiram para sua maligna missão voando nas costas da Dragoa Azul Tempestade do Deserto levando consigo inocentes crianças. Mal sabiam eles o perigo e o desespero que seria despertar aquele que deveria ser esquecido.



Os sete heróis subiram as escadarias que levam à antiga cidade alta, ou como chamam agora Cidadela Fantasma. Fora os anéis murados de Relgoth, ali ficava o Palácio de Nimue e como tal representava o poder dos soberanos da família Launwaine antes do Palácio de Vivianne. O lugar tinha sido construído em frente às grandes minas de bronze que hoje não passavam de ruínas. Estavam todos com pesadas mochilas, pois sabiam que a viagem seria longa...
Sir Hector Launwaine, o Cavaleiro da Coroa, era burgomestre e filho do Barão da Cidadela dos Leões de Bronze. Um alto e forte homem de armas membro da ordem solâmnica há muito pouco tempo, mas o que lhe faltava em experiência ele tinha em vontade. Tinha apenas sua espada como forma de ataque e sua armadura e escudo como defesa.
Valdor, o heraldo vinha ao lado de Sir Hector e, de fato, era seu mais antigo e fiel escudeiro. Um camponês que teve a sorte de ter a amizade da família governante da Cidadela, um expoente a bardo treinado na maior escola de menestréis de Ansalon; o Colégio de Bardos Ergothiano. Discípulo do Deus Branchala, a canção da vida e tão habilidoso com seu alaúde como é com seu fino, mas ágil sabre.
Fizban, o Fabuloso vinha logo atrás com seus passos vacilantes e sua aparência descompromissada. Entretanto até mesmo seus companheiros já tinham percebido que por trás daquelas roupas de mendigo se escondia um poderoso mago que devia ter lutado em alguma guerra no passado. Tinha uma longa barba branca e um ridículo chapéu pontiagudo que sempre caía e nunca ficava direito em sua cabeça.
Diana, a Reverenda de Paladine, ajudava o pobre velho a subir aquelas longas escadarias com sua preciosa compaixão. Tinha sido indicada pela Bispa Ladwys a pedido de Sir Borns. Trajada com uma leve armadura de metal coberta pela batina branca com detalhes em dourado de sua ordem a sacerdotisa ainda portava uma maça-estrela e funda como armas. Era uma mulher formosa de pele negra e cabelos cacheados. Os olhos castanhos claros lhe davam um ancestral incomum que desconhecia por ser órfã, mas em nenhum momento lamentava isso.
Thorvalen, o proscrito, vinha logo atrás sempre carregando a Lâmina Glacial, seu machado, com seu braço direito e seu escudo de aço presos ao seu braço esquerdo. Vestia uma armadura de couro batido e ainda trazia uma pesada besta como arma. Um forte e experiente anão das colinas que tinha uma longa e grisalha barba, mas sempre muito bem cuidada. Sua pele escura como madeira lhe dava uma aparência ainda mais ameaçadora.
Orvalho da Aurora, a elfa kagonesti, estava sempre ao lado do amigo mercenário e percebia agora que tinha criado uma forte ligação a aquele rabugento e taciturno anão. Era pequena e tinha a aparência frágil, mas para olhos bem treinados a druidisa tinha a postura firme e os braços fortes como os de um excepcional arqueiro. Tinha longos cabelos lisos e castanhos que escondiam, em uma franja, seus lindos olhos cor de mel.
Dális, o gnomo, vinha por último, mas não menos animado que os outros com sua missão. Tinha menos de um metro de altura, o que o fazia praticamente sumir entre os sete companheiros. Entretanto suas roupas extravagantes e sua personalidade sempre alegre o faziam se destacar entre os heróis. Tinha apenas sua sagacidade e uma adaga como armas. O punhal era muito bem trabalhado e cravejado de jóias e entalhes dignos do ofício de um ferreiro anão.
Chegaram ao final da escadaria e puderam ver toda a cidade alta. Estava o Palácio à sua direita enfrente ao lago que ficava bem no centro do antigo jardim, que agora não passava de um lôbrego bosque com árvores secas e plantas mortas. Na esquerda ficavam a Cordilheira de Vingaard e as ruínas das minas de bronze, onde estava o destino dos sete companheiros.
- Esse é o antigo palácio construído pelo próprio Sir Heward Launwaine – disse Valdor. – Uma homenagem à sua esposa, a Senhora do Lago!
- Sim! – concordou o cavaleiro com feições sombrias. – O corpo de Nimue está enterrado dentro do lago. Esse lugar sempre foi um mausoléu!
- No entanto, houve gloria no passado, não? – perguntou Fizban. – Havia um tempo em que o lago era abençoado com a luz da vida!
- Sim! – respondeu Diana. – As águas curativas das fontes que iremos buscar também existiam neste lago e suas águas também sanavam os males da pestilência do vento negro. Mas como o bronze sempre foi o símbolo do Deus Morgion, essa terra também foi amaldiçoada.
- A Ruína de Dinadan! – esclareceu Sir Hector. – A praga e fome assolaram aquele tempo e em desespero o meu ancestral explorou as minas de tal forma que seus homens morriam da forma mais miserável. Assim este lugar foi chamado de Masmorras de Vingaard, pois Dinadan não permitia mais que os mineiros voltassem sem o precioso bronze. Por fim, o Lorde da Cidadela ainda quis cobrar pelas curas do lago, com medo de secar a água abençoada, e esse foi o fim do palácio que fora invadido pelos mineiros amaldiçoados e camponeses revoltados. Assim diz a lenda!
- Que horrível! – exclamou Orvalho da Aurora. – Você me diz que apenas o corpo da Senhora está no lago, mas eu consigo ver dois túmulos!
- Tens bons olhos! – elogiou Valdor. – O túmulo de Sir Dinadan também está ali! Foi enterrado pelos cavaleiros antes de abandonarem a Cidade Alta.
- Cha! – disse a elfa. – Eu vi muitos túmulos nas cidades dos homens e percebi que vocês cultuam a morte de seus entes queridos, mas este é o primeiro túmulo de um cavaleiro que eu vejo!
- Sim! – respondeu Sir Hector. – É um costume solâmnico não enterrar os cavaleiros, pois eles devem ser levados à Cúpula da Criação pelas chamas ardentes da honra. Entretanto não foi permitido isso a Dinadan e ele foi enterrado com sua espada, a mesma arma de seus ancestrais, pela vergonha que causou aos Cavaleiros de Solamnia.
Enquanto conversavam os companheiros caminhavam pelo pátio em ruínas e se dirigiam à entrada das minas. Todo o lugar era medonho e o próprio ar parecia mais pesado naquele amaldiçoado local. A própria entrada tinha duas fileiras de restos mortais de pessoas que foram empaladas e agora estavam ali, como que um aviso a quem quer que fosse para não entrar...
- Há algo escrito aqui, mas não reconheço as runas! – disse Thorvalen. – Parece um idioma dos dragões, mas não sei ler isto!
- Sim, mestre anão! – afirmou Sir Hector. – No entanto, não é um idioma dracônico realmente, mas o antigo idioma de Ergoth. Era muito usado antigamente e tem origem no dialeto dos dragões como bem percebeste! Aqui diz que estas são as Masmorras de Vingaard, pois todo aquele que entrar ficará preso por toda a eternidade!
- Um aviso dos mortos! – disse Valdor. – Esse lugar está amaldiçoado e talvez não devêssemos entrar!
- Eu não temo os mortos! – inspirou Diana. – Fiquem junto a mim e posso protegê-los dos flagelos de Chemosh!
- E seria uma proteção de grande valor sem dúvida! – exaltou Fizban que já estava às portas da entrada das minas. – Entretanto receio que nossos caminhos nem sempre serão juntos à sua confortante presença, minha filha! Mas me permita levar a luz onde as trevas dominaram por séculos! Shirak!
Assim a ponta do cajado do mago começou a emanar uma intensa luz pelo poder se suas palavras e gestos precisos. Logo todos podiam enxergar por dentro do túnel que levaria ao interior das montanhas. O velho foi o primeiro a entrar, mas um sentimento ruim atingiu os heróis quando um vento gélido e fétido veio de dentro das minas. Era como se a própria vontade do lugar lutasse contra eles, mas foi a coragem de Diana e Sir Hector em acompanhar Fizban que levaram os outros a seguir em frente, rumo ao que poderia ser a salvação de Relgoth. A busca pela cura de uma praga obscura que afetava seu povo.
- São cinco dias de caminhada! – disse Fizban. – E esperemos não acordar os mortos dessas fúnebres minas.

domingo, 19 de setembro de 2010

Capítulo VII - Cerimônia de Investidura

Semanas já haviam se passado desde a partida do comandante Marhaus. O filho mais novo do Barão recebeu como prometido uma brigada, que era formada por cerca de cinco mil soldados solâmnicos treinados para pôr a salvo a pequena cidade de Olmeiro. Os relgothianos já os chamavam de Brigada de Resgate, mas na verdade tratava-se da terceira brigada de Relgoth.
A cidadela de bronze tinha o corpo de seu exército formado apenas por uma divisão, pois não tinha número de milicianos suficientes para compor uma armada inteira. Assim, um terço de toda sua guarda da cidade foi enviada para confrontar os goblins reunidos na Floresta Enegrecida.
Ainda não se tinha notícia do quão frutífera tinha sido aquela campanha, mas todos já sabiam, pelo tempo estimado, que a hoste de Marhaus já deve ter chegado a aquela cidade. Não se esperava que fosse uma tarefa árdua, por isso os homens foram direto, sem paradas nas cidades pelo caminho. Todos tinham plena certeza que tudo iria correr bem.
Durante esse tempo a Cerimônia de Investidura de Sir Hector Launwaine foi meticulosamente preparada. Não era uma solenidade complexa, mas os rituais deviam ser seguidos à risca de acordo com o que estava escrito na Medida. Era a mais antiga tradição de Solamnia; inspirada no Comitatus, uma instituição dos povos que viviam nessas terras antes do próprio Vinnas Solamnus e que deu origem às relações de suserania e vassalagem dos cavaleiros.
- Senhores dos Cavalos, - iniciou Sir Baldwin – devemos agora, pela graça do santo Triunvirato, a Cerimônia de Investidura.
O Salão dos Escudos estava preparado e a Assembléia de Cavalaria estava totalmente reunida para a ocasião. Nenhum dos cavaleiros das quinze famílias que compunham o Circulo Interno de Relgoth tinham faltado.
- Sir Hector Launwaine, - disse o Barão – aproxime-se diante de meu trono! Mostre tua lealdade para comigo!
- Est Perunde oth Sudarus! – exclamou Sir Hector – Minha lealdade é meu valor!
Foram trazidos, pelos outros nobres; uma nova espada, uma armadura de batalha completa, um escudo e as esporas; que foram colocadas próximo ao filho do Barão que estava à frente do trono ajoelhado.
- Que seja do conhecimento de todos os senhores que eu, Sir Baldwin, estou pronto para recebe-lo como reconhecimento de seu valor!
- Est Sudarus oth Mikkas! – exclamou Sir Hector – Meu valor é minha verdade!
O jovem Launwaine se levantou e começou a vestir todo o seu equipamento com a ajuda dos outros cavaleiros. Quando ele terminou ficou ajoelhado novamente aos pés de seu pai, que se levantou.
- O senhor jura receber a mim, O Barão de Relgoth, como seu suserano em total e sincera verdade?
- Est Mikkas oth Reghnen! – exclamou Sir Hector – Minha verdade é minha palavra!
Ainda prostrado, o Cavaleiro da Coroa segurou sua espada, ainda embainhada, erguendo-a de forma a entrega-la ao Barão. O velho Launwaine caminhou solenemente até seu filho.
- Promete, como escrito na Medida, ser honesto em servir e nunca agir de forma dissimulada?
- Est Reghnen oth Sularus! – exclamou Sir Hector – Minha palavra é minha honra!
O Soberano da Cidadela segurou firme o cabo da espada de seu novo vassalo e a desembainhou com uma mensura. Levou a lâmina para seu ombro esquerdo e depois o direito e voltou a falar:
- Compromete-se a atender o seu chamado quando requisitado e defenderá seu senhor mesmo que isso lhe custe a vida?
- Est Sularus oth Mithas! – exclamou Sir Hector – Minha honra é minha vida!
- E eu, de minha parte, prometo defender e honrar teu juramento consagrando seus votos! Levante-se cavaleiro!

Todos no Salão dos Escudos, incluindo Sir Hector, se levantaram e bateram em seus escudos em congratulações. Os cavaleiros se cumprimentavam e repetiam as frases dos votos da cavalaria solâmnica.

“Est Perunde oth Sudarus!
Est Sudarus oth Mikkas!
Est Mikkas oth Reghnen!
Est Reghnen oth Sularus!
Est Sularus oth Mithas!”

Era como em um cântico que ecoava por todo o Salão, mas não era o único coro uníssono que podia ser ouvido em Relgoth naquele dia. Aquela não era a Cerimônia de Investidura que tornou Sir Hector um cavaleiro, mas era a que o tornava vassalo do Barão, vassalo de seu pai.



Embora as celas de Relgoth fossem limpas, uma cadeia era uma cadeia e como todas as prisões aquela também era desconfortável. As paredes úmidas tornavam os dias gélidos e doentes, o chão duro fazia doer o corpo e a comida era obviamente a pior da cidadela. Assim, mesmo passando apenas alguns dias, ficar preso ali era uma experiência deplorável.
- Abra os olhos, elfa! – disse Thorvalen – Um preso sempre é perigoso, mesmo que seja um mendigo velho!
- Cha! – exclamou Orvalho da Aurora – Ele pode estar doente! Que tipo de lugar é esse onde se prendem velhinhos?
- Bah! Só digo uma palavra... Humanos!
Ambos, o Neidar e a Kagonesti, estavam presos há alguns dias pela briga na taberna, mas estavam mais preocupados com um mendigo velho que apareceu preso durante a noite passada. Ele parecia um idoso tão frágil e inocente que até o anão teve piedade dele. Será que estava bem?
- Hum! – O velho sussurrou ainda dormindo – Sei que minha irmã é bonitinha, mas me dá um trabalho! Acho que toda caçula é assim...
- Velho acorde! – a druidisa falou – Está sonhando!
- Hã? Eu? Que? Onde?
O velho acordou assustado e caiu de sua cama de palha se estatelando no chão fazendo um escândalo enorme. Os dois companheiros o ajudaram a se levantar e notaram que seu odor não era tão ruim assim como parecia. Na verdade o cheiro do mendigo os lembrou da infância, quando ainda eram apenas crianças inocentes.
- Ah puxa! – o homem disse se espreguiçando – Acho que dormi muito dessa vez! Obrigado por me ter trazido pra casa de vocês, embora seja...
- Senhor – iniciou o proscrito – Não estamos em casa, estamos em uma cadeia!
- O quê? Isso é um absurdo!
- Achamos que o senhor nos diria o porquê foi preso.
- Nunca fui tão insultado na minha vida e olha que ela é longa!
Indignado, o idoso foi até as grades e gritou para os guardas, bateu nas barras de ferro e esperneou o máximo que pode, mas ninguém apareceu.
- Vou por essa cadeiazinha miserável no chão!
- Calma! – a elfa selvagem tentou tranqüiliza-lo – Logo eles nos soltam! – ela o puxou para se sentar – Qual é seu nome?
- Meu nome? Eu... Não lembro!
- Como assim, não lembra?
- Sei lá! Acho que é Fazban, ou talvez Fezban... Sei que tem algo de fabuloso nele!
- O velho é louco! – disse o mercenário na língua dos elfos para que apenas a Orvalho entendesse – Está com a doença do dobrador!
- Eu entendi isso seu anão obtuso!
- Bah, eu... Fala élfico?
- Falo sua linguagem gutural também!
- Balela! Ninguém fala meu idioma se não for da minha raça!
- Kai throntar gon-raxanum!
Foi então que Thorvalen levou um susto tão grande que seu rosto ficou inteiramente branco como se seu sangue estivesse fugido rapidamente. Ele olhou para o velho sem entender como ele podia saber sua secreta língua e aquilo foi tão irreal que sua mente se recusou a acreditar. Assim a experimentado guerreiro amoleceu suas pernas e desmaiou.



A primeiro pensamento que veio em sua mente foi: “Como o mármore é frio!”. Claro que nada se comparava a sua majestosa beleza, mas andar descalça sobre o chão de pedra calcária engenhosamente trabalhada sempre gelava os pés. No entanto, ela nada podia fazer, pois era assim que mandava o ritual de iniciação dos clérigos de Paladine.
Diana era uma moça alta e formosa, na casa dos vinte anos. Seus cabelos eram cacheados e caídos até o meio das costas. Tinha grandes olhos eram castanhos claros que contrastavam com sua pele negra como a madeira da Senhora-dos-Prados. Ela possuía lábios carnudos que lhe dava uma aparência de seriedade.
Aquela mulher era o que os membros da Ordem das Estrelas chamavam de Suplicante. Uma jovem sacerdotisa do Cavaleiro Valente que ainda não tinha sido consagrada pelos clérigos dos Deuses da Luz, mas já possuía dons sagrados que podiam realizar pequenos milagres.
A Ordem estava sendo restaurada desde o final da Guerra da Lança, pois antes disso, acreditava-se que os Deuses tinham abandonado o mundo depois do Cataclismo. Agora cada vez mais fiéis surgiam e um grande número de clérigos eram investidos nas novas igrejas dos verdadeiros Deuses.
Muitos templos foram construídos nos últimos anos e a Catedral do Pai de Platina era um deles. Feita quase que totalmente de mármore, a igreja ficava na diocese de Relgoth no distrito norte da cidadela e teve a presença do próprio Sumo Pontífice Elistan em sua inauguração, uma cerimônia chamada de Icolo.
Agora Diana, entre outras aspirantes, andavam pela nave do santuário e, vestidas apenas com um roupão, se dirigiam ao exuberante jardim que ficava no interior da catedral. Chamado de Bosque do Cervo Branco o local era na verdade um termas arborizado com uma grande piscina em seu centro.
O ritual de iniciação, chamado de Fascledon, era uma cerimônia de investidura que marcava a passagem do grau de Suplicante para se sagrar verdadeiramente um clérigo. Os sacerdotes do Cavaleiro Valente chamavam essa nova posição da hierarquia canônica de Reverendo Filho de Paladine.
Assim a jovem solenemente retirou suas vestes e entrou na água se dirigindo a sua superiora chamada Ladwys. Uma Bispa da nobre família dos Guardacaminho, que fundou a Catedral da Lâmina Celeste e esposa do Cavaleiro da Espada Sir Borns Brochvael. Assim, Lady Ladwys era uma mulher que já tinha enfrentado mais de sessenta invernos, com os cabelos já brancos que lhe davam uma postura majestosa.
A Bispa estendeu as mãos para Diana e a olhou com uma ternura que apenas uma mãe teria. A jovem não era sua filha, mas fora abandonada ainda pequena nas ruas de Relgoth e quase viraria uma bandoleira se não fosse pelo encontro que as duas tiveram há doze anos atrás. Ambas como sacerdotisas não consideravam aquilo uma coincidência, mas claro uma evidente prova de que os Deuses verdadeiros nunca as tinham abandonado.
A órfã tinha sido criada praticamente sozinha até então e por isso possuía uma personalidade auto-suficiente que encantou Lady Ladwys. Sob seus cuidados Diana se tornou uma linda jovem calma, prudente e solidária. Tinha a sabedoria que o cargo de Reverenda exigia e isso a enchia de orgulho.
A noviça foi mergulhada na água pela Bispa que fazia uma oração abençoando sua filha adotiva. Diana também pediu, em uma prece silenciosa, que Cavaleiro Valente a guiasse para enfrentar os perigos que o sacerdócio poderia trazer, mas principalmente que tivesse a sabedoria para ser uma serva útil para levar sua luz a escuridão do mundo.
A recém investida Reverenda Filha de Paladine saiu na água e se enxugou na toalha trazida pelas diaconisas, que também trouxeram suas novas vestes. Era uma batina branca com detalhes em dourado e seria sua roupa até o fim de sua vida. No entanto, o mais importante era o Medalhão da Fé. Feito de platina, esse colar possuía o triangulo; símbolo sagrado de seu Deus e necessário para invocar os milagres que futuramente realizaria.



Thorvalen abriu os olhos e demorou a recobrar a consciência. Pode ouvir os murmúrios de Orvalho da Aurora rezando por ele e sua visão foi se focando lentamente. Lembrou que ainda estava preso e lembrou do Velho que o estava encarando e então resolveu falar:
- Não sei como aprendeu minha língua seu louco, mas...
- Se me chamar de louco de novo eu faço sua barba cair! – disse o mendigo – Seu proscrito!
- Cha! Que os espíritos nos protejam! – exclamou a elfa selvagem – Calma para vocês dois ou eu que vou fazer a barba horrível de ambos!
O idoso e o neidar olharam para ela refletindo no absurdo que era a sua afirmação. Todos os anões se orgulhavam de sua barba e de fato nunca as cortavam, pois assim eles se sentiriam eunucos. No entanto, aquilo nada significaria para um velho mendigo humano, então os dois se olharam e riram da druidisa fazendo-a rir também.
- Bom, - falou o homem - irei tirar nós três daqui!
- Como? – falou o mercenário – Só se fosse um mago!
- Ah, bem lembrado meu amigo! Tenho uma magia maravilhosa para esses momentos! Sempre a uso para sair de prisões!
- Mas, - observou a mulher élfica – você disse que nunca foi preso...
- Deixe me ver! Como era mesmo? Ah, sim! Lembrei!
Então o mendigo se levantou e gesticulou enfaticamente com os braços e começou a falar algo no antigo idioma dos magos.
- Ast Kiranann...
Repentinamente ouviram um barulho de estalo tão alto que atrapalhou a magia do velho. Então sons de pequenas peças de metal batendo uma nas outras ressoaram pela cadeia e por um momento só podiam ouvir passos se aproximando rapidamente.
Então puderam ver os carcereiros abrindo a cela e saindo para que três homens entrassem. Os companheiros reconheceram rapidamente Leodegan e Sir Hector, mas não conheciam o outro cavaleiro, embora perceberam sua semelhança com o taverneiro.
O agora investido vassalo do Barão de Relgoth prontamente se ajoelhou aos amigos e com uma mensura disse:
- Sinto por terem ficado tanto tempo presos! Com tanta coisa acontecendo foi difícil para Leodegan e seu filho Sir Caleddin me contatarem, mas isso não é desculpa. Eu humildemente peço perdão!
Orvalho da Aurora e Thorvalen estavam ressentidos com o amigo solâmnico, pois sabiam que era filho do soberano da cidadela e podia ter tirado os dois rapidamente. Entretanto as palavras do Cavaleiro da Coroa tocaram seus corações e não podiam fazer nada diferente de perdoa-lo.
- Astanti, tharkas! – a elfa selvagem falou afagando o companheiro – Estamos bem, eu digo!
- Bah, garoto! – exclamou o anão da colina – Não se preocupe com essa besteira, está aqui agora não?
- Sim, agora estou! – respondeu Sir Hector apontando para o outro cavaleiro – Este é Sir Caleddin uth Leodegan, Cavaleiro da Rosa e meu tio por parte de mãe.
- Tsarthai, deghnyah! – cumprimentou o nobre – É sempre um prazer conhecer os amigos de meu sobrinho!
Todos no lugar fizeram uma mensura e o Velho foi tão exagerado que chamou a atenção dos cavaleiros. O mendigo sorriu contente e saindo da cela todo apressado desviando dos guardas e gesticulando freneticamente como um louco ele começou a dizer:
- Bom, antes tarde do que nunca! Vamos logo que temos muito a fazer.
- Pode liberta-lo também? – a kagonesti perguntou – Ele é apenas um velho mendigo!
- Qual é o seu nome meu senhor?
- Fizban, o Fabuloso!
- Bah, agora lembrou é? – perguntou o mercenário – Tem certeza desse nome, pode ser Fuzban!
- Não diga absurdos! Claro que lembro meu nome! Vamos logo que temos que salvar o Dális!
- O quê?
Todos ficaram pasmos! Ninguém tinha visto mais o gnomo desde a confusão na taverna Dragão de Bronze, mas como aquele louco conhecia Dális e mais ainda, salvá-lo de quê?



O comandante Marhaus estava prostrado de joelhos nos Campos de Galen, próximos a Floresta Enegrecida, nas portas da cidade de Olmeiro. Sua perna esquerda doía vertiginosamente pelo golpe que recebera do capitão hobgoblin que prontamente o capturou. Tinha feito um talho que sangrava inexoravelmente tingindo sua bota surrada de vermelho e não permitindo que se levantasse.
O capitão Crod Rachacrânios, o goblinóide, estava contente, pois tinha trazido o comandante solâmnico para o acampamento colocando-o aos pés de sua líder a Alta Maga Negra Selanthara. O hobgoblin tinha uma inteligência rara para sua raça e isso sempre lhe dava cada vez mais premiações e destaque no exército. Ele esperava ser redimido do fiasco que foi mandar o bugbear Thurk atrás do Grimório de Magius.
Marhaus pouco se importava com o capitão em sua entranha armadura, ele estava consternado pela derrota deplorável que acabara de sofrer. Pensou em como seu pai, o Barão de Relgoth, receberia a notícia e viu seu desejo de ser investido cavaleiro esvair-se. Teria vencido, se não fosse o Dragão.
Estava com a batalha ganha, mas foi então que surgiu um Dragão Azul virando a maré contra os soldados relgothianos. A criatura simplesmente planou por cima das fileiras da Brigada de Resgate e foi como se o próprio céu tivesse caído sobre suas cabeças. A maior parte do exercito debandou apavorada de medo e os poucos bravos que resistiram foram massacrados pela hoste maligna. Tudo estava perdido, sua única oportunidade de cair nas graças de seu pai tinha falhado. Não que Marhaus gostasse da oportunidade que Sir Hector lhe tinha dado. O comandante solâmnico via aquilo como um ato de misericórdia, e ele não precisava da pena de seu irmão. Queria alcançar a cavalaria pelas próprias mãos, mas agora não haveria para ele uma cerimônia de investidura.
Selanthara viu a desolação estampada na face de seu oponente derrotado e um sentimento de lástima inundou seu coração. A Irda lutou contra aquela emoção, mas ordenou que cuidassem de seus ferimentos.
Marhaus a observou atentamente e ficou admirado ao ver como a arcana negra era linda, mesmo naquela situação a beleza sobrenatural dela saltava-lhe os olhos. Uma alta mulher ruiva de pele branca como a neve em contraste ao negro profundo de seus mantos. Os olhos verde-esmeralda da Alta Maga fitaram os dele com curiosidade, mas foram rapidamente desviados pela chegada do Senhor dos Dragões.
Era uma imponente figura que vestia uma armadura azul, da forma que parecesse com escamas de dragão, com detalhes em dourado. Tinha uma capa de um tom ciano escuro como as nuvens de uma tempestade. Possuía como armas apenas uma espada curta do lado direito e uma adaga do lado esquerdo de seu cinturão. Retirando sua hedionda máscara falou:
- Sou o Alto Lorde dos Dragões Kitiara uth Matar, também chamada de Dama Azul e comandante suprema dos Exércitos Dracônicos da Rainha das Trevas.
Kitiara olhou para Marhaus com um sorriso torto e sedutor imaginando se ele tinha ficado impressionado pelo fato dela ser uma mulher. Ela passou a mão displicentemente pelos seus cabelos negros e rentes sacudindo-os sem desarrumar a bandana vermelha que protegia seus olhos do suor.
O comandante solâmnico já tinha percebido que o Alto Lorde dos Dragões não era um homem, pois a graciosidade de seu andar e sua bela armadura cintilante ajustada de forma que enfatizasse as curvas de suas longas pernas, já a tinha entregado. Sua beleza sensual e sua postura imperiosa eclipsavam até mesmo a lindíssima Selanthara.
- Como pode ver meu caro, - a Dama Azul voltou a dizer – os mais altos postos do nosso exército são alcançados por mérito, sem serem barrados por tradições antiquadas ou títulos de nobreza. Aqui sabemos que tudo o que importa realmente é o poder!
- O que quer de mim? – perguntou o filho do Barão de Relgoth – Por que ainda estou vivo?
- Ora, tanto você comandante quanto os seus soldados serão presos e muito bem tratados, como manda as leis da ética de guerra.
Ela fez uma pausa e caminhou em volta de seu ilustre prisioneiro. Queria estuda-lo da mesma forma que queria ser admirada por ele. Era uma antiga tática sua para converter os inimigos a sua causa. Kitiara colocou retirou suas luvas pretas e colocou as mãos no rosto desolado de Marhaus e o encarou com seus lindos olhos castanhos envoltos em longos cílios negros e continuou:
- Mas não precisa ser assim. Eu reconheço seu valor em combate e tenha certeza que há lugar tanto para o senhor como para seus soldados. Tenho certeza que alcançará um alto posto na hierarquia da armada!
- Acha realmente que pode me quebrar tão facilmente? – ralhou o solâmnico – Não desistirei de minha honra!
- Claro que não! No entanto, seria idiotice e não honra lutar contra a rainha das Trevas, como pode ver, nada nos derrotará agora!
Foi quanto todo o campo ficou escuro como se a noite tivesse caído implacavelmente sobre eles. Marhaus tinha imaginado que era o Dragão Azul voltando em seu vôo mortal, mas estava totalmente enganado. Então toda a esperança o abandonou quando ele viu a Cidadela Voadora.

domingo, 5 de setembro de 2010

Capítulo VI - Os Amores de Anne

Era uma tarde do mês de Larebrum no Jardim da Despedida quando flores estavam fechadas ainda, guardando seu perfume delicioso para as noites de verão. Elaine estava em um dos maravilhosos piqueniques que costumava fazer naqueles jardins apenas com a sua família, sem a presença de outros nobres, sem a presença dos cavaleiros. Ela olhava feliz para as Jasmins-da-noite e perguntou a si mesma se Vivianne tinha sentido toda essa alegria assim como a que vivia naquele momento.
Estava grávida novamente e sentia que nada podia estragar sua felicidade agora. Já tinha dado dois filhos ao marido e queria uma filha agora, para ser sua companhia quando os homens fossem a guerra. Sabia que haveria guerra, mesmo que as rebeliões contra os cavaleiros nunca tenham atingido Relgoth, sabia que a paz duraria pouco; a paz sempre durava pouco, mas não se importava, pois estava eufórica.
Elaine tinha feito um bom casamento, era a Senhora da Cidadela e seu pai estava orgulhoso, pois era a filha mais velha e seu irmão era muito pequeno, assim um bom casamento era tudo o que se desejava nesses casos. O nome não se perpetuaria por ela, mas a renda da família estava garantida e Elaine, mais uma vez, estava grávida.
Então a senhora imaginou novamente se Vivianne tinha ficado assim quando esperava por seu filho. Olhou em volta e imaginou como deveria ser grandioso o amor de Sir Pellimore Launwaine, para que ele construísse o Palácio de Vivianne que, sua senhora, retribuiu criando o maravilhoso Jardim da Despedida. Claro que o jardim recebeu esse nome apenas quando Sir Pellimore foi para os campos de Dergoth, onde foi deflagrada a Guerra dos Portões dos Anões e não mais voltou para a sua Vivianne, não mais voltou para o seu amor materializado nesse Palácio.
Entretanto ela esperou seu cavaleiro voltar, plantando Jasmins-da-noite, naqueles jardins toda noite e ele nunca voltou, assim logo morreu de tristeza deixando seu herdeiro, Sir Cadwallon, aos cuidados do regente de Relgoth que decidiu fazer do Palácio de Vivianne a nova sede do governo, depois da queda das minas e da cidade alta. Foi depois desses eventos que todos os relgothianos também chamavam aquelas flores de Senhora-da-noite, cujas cores púrpuras se tornaram à cor de luto da cidade, como já eram dos elfos.
Elaine gostava dos contos de Vivianne, pois ambas tinham o apelido de Anne, que em élfico significava orvalho. No caso da esposa de Sir Pellimore isso não era um acaso, já que ela era uma realmente uma elfa, uma druidisa do povo dos Qualinesti que tinha se apaixonado por um humano. Seu povo não aceitava aquela união, então Vivianne largou tudo, até sua pátria, para viver seu amor, para viver com seu cavaleiro. Nada poderia ser mais trágico, pensou Elaine, esperava não ter um fim assim.
- Está tudo bem, Anne? – perguntou seu marido. – Parece meio distante...
- Estava pensando em meu filho. Onde será que ele está?
- Deve estar brincando com aquele amiguinho camponês dele!
- Não fale assim, meu amor! Marhaus meu querido, ache Heitor, sim?
O garoto que acompanhava o casal saiu à procura do filho da senhora e entrou nas partes mais escuras dos jardins. Não foi muito difícil de achá-los, pois sabia bem onde gostavam de brincar. No entanto, ficou muito assustado com o que viu.
Heitor estava usando seu amigo de cavalinho, estava montado encima dele e com golpes de vareta ele montava em suas costas. Seria uma brincadeira inocente se Heitor não fosse um nobre e o pobre amigo um servo. Assim o pequeno Marhaus ficou indignado e gritou:
- Não faça isso com o pobre coitado! Não vê que o está humilhando?
- Por quê? Ele disse que não tinha problema?
- Claro seu idiota, – o garoto respondeu tirando Heitor de cima do camponês. – do contrário, seu pai dará uma surra nele! Como a surra que vou te dar agora!
Os dois garotos se atracaram como dois pequenos leões, rolaram pelos jardins se esmurrando e dando pontapés. Eles não ouviram quando o pequeno campônio saiu correndo e chorando, assim como não ouviram quando seus pais chegaram, mas ouviram quando a ordem foi proferida:
- Parem! – disse Sir Baldwin. – Pelos antigos Deuses, vocês dois são irmãos!
- Pai – respondeu Marhaus. – ele estava judiando do pobre do Valdor, usava o coitado de cavalo, eu...
- Não perguntei, quero que suba para seus aposentos para refletir o que fez e só quero vê-lo novamente quando eu o chamar!
- Estou muito decepcionada, Marhaus! – disse Elaine. – Não deve deixar a violência tomar conta de você!
- Sim, sua mãe está certa! – voltou a dizer o pai. – Um Cavaleiro de Solamnia deverá sempre agir com serenidade, uma espada só sairá de sua bainha para se defender, nunca para ameaçar, como está escrito na Medida!
O garoto saiu soluçando pelo choro contido, pois sentia que os pais amavam mais seu irmão mais velho do que a ele. Era pequeno demais para entender o por que estava errado em sua atitude, apenas via que era castigado enquanto seu irmão, mesmo estando errado, não. Pensou que não havia justiça naquilo, mas um dia provaria seu valor.
Entretanto isso não era verdade, o Barão apenas não castigava seu filho na frente do mais novo, pois não queria que Marhaus desrespeitasse o irmão.
- Heitor! – disse Sir Baldwin. – Logo vai abandonar esse nome de criança que sua mãe te chama e vai se tornar Hector, um homem, um cavaleiro! Não poderá tratar os outros dessa maneira.
- Não entendo...
- Escute-me e escute bem! Não pode fazer das pessoas o que quer, tem que entender que seu amigo é um camponês e é claro que vai fazer tudo que pedir, mas tem que respeitá-lo! É a família dele que nos alimenta e é nosso dever protegê-los e não usá-los como cavalo, não usá-los para nossos caprichos, entendeu?
- Acho que sim pai, desculpe!
- Um Cavaleiro de Solamnia deverá, tendo prometido proteger um inocente, nunca lhe aplicar maus tratos, guardando-o de todo perigo ou afronta.



Leodegan limpava o balcão diligentemente como sempre fazia entre um pedido e outro. O Dragão de Bronze era a maior estalagem em Relgoth e uma das maiores de toda Solamnia. Estava dividida em uma Taberna com palco no primeiro andar, onde também ficavam a cozinha e o estábulo do lado de fora; o empório no segundo andar que também tinha o quarto do dono e camarotes para o teatro; e finalmente, o terceiro andar com vários quartos para hóspedes e viajantes.
Era comum dizer que a Estalagem Dragão de Bronze tinha tudo para os aventureiros que estavam de passagem e isso, claramente, não estava longe da verdade. Todos os funcionários se esforçavam ao máximo para manter o lugar sempre cheio de suprimentos e tinha um ótimo atendimento. O lugar era limpo e tinha poucas brigas, pois poucos queriam encrenca em um lugar que tinha um antigo Cavaleiro de Solamnia como dono. Logo, a hospedaria estava sempre lotada.
Entretanto, mesmo assim, Leodegan percebeu a entrada de um estranho trio em sua taberna. Eram um anão da colina, uma elfa selvagem e um pequenino gnomo, que rapidamente foram atendidos por uma de suas atendentes que os levou a uma mesa ao fundo e perto de uma enorme janela. Aquele era um dos melhores lugares e sempre estava reservado a clientes especiais fazendo o taberneiro pensar o porquê sua jovem funcionaria os colocou ali, mas ela logo veio até o balcão e explicou:
- Patrão, aqueles ali querem lhe falar!
- Os colocou em uma mesa reservada. Bertha. Quero saber o porquê.
- Disseram que eram amigos do filho do Barão, Sir Hector!
- Acreditou neles?
- Ora, não sei! Não me parecem mentirosos.
- Está certo! Vou ver o que querem.
O dono da hospedaria pegou uma caneca para limpar e com um sorriso foi até os estranhos aventureiros. Ele era um homem de estatura média, mas muito forte. Logo se percebia que já foi um homem de armas e, contudo, seu ar nobre podia indicar que tenha sido um cavaleiro, embora não tivesse bigode. Tinha a pele negra, mas seus olhos eram verdes indicando ancestrais brancos, talvez solâmnicos, e mantinha os cabelos brancos bem curtos.
- Meu nome é Leodegan – disse aos companheiros. – Sou o dono do Dragão de Bronze.
- Sou Thorvalen e esses são Orvalho da Aurora e o pequeno chama-se Dális.
- Prazer, em que posso ser útil?
- Sir Hector disse que não nos cobraria a estadia. Somos conhecidos dele!
- Muitos dizem que são...
- Está dizendo que estou mentindo?
O taberneiro se viu em uma situação delicada, pois conhecia bem a fama dos anões se irritarem com uma dúvida sobre sua palavra. Eram piores que os cavaleiros, já que uma vez bravos, tornava-se quase impossível acalmá-los. Por outro lado, também não sabia se estavam dizendo a verdade. Era fato que o jovem cavaleiro era dado a amigos incomuns, mas ele estava longe da cidadela, ou pelo menos pensava assim.
- Não ouso duvidar de suas palavras, mestre anão! – disse finalmente Leodegan. – No entanto, entenda que Sir Hector está longe daqui!
- Está errado! – afirmou o proscrito. – Ele chegou conosco e foi para o Palácio de Vivianne.
- Ajuda se dissermos que a mãe dele o chamava de Heitor? – perguntou a kagonesti. – Acho que apenas os amigos saberiam disso, não?
- Sim, Anne o chamava assim – respondeu o taberneiro com um ar sombrio. – Agora acredito em vocês e peço sinceras desculpas se os ofendi de alguma forma.
- Certo! – exclamou o neidar. – Está acostumado a lidar com humanos!
Leodegan não deu atenção para o insulto, na verdade estava acostumado a lidar com várias raças e podia dar conta da situação tranqüilamente. Como a atendente que os acomodou estava ocupada, ele mandou outra funcionária para atendê-los. Agnes era mais experiente com outros povos e se sentiu tranqüilo com a mudança. Logo se esqueceu dos três e pensou sobre a volta de Sir Hector e somente naquele momento percebeu o quanto estava com saudade.
Orvalho da Aurora acompanhou com os olhos o taberneiro e percebeu o quanto ele tinha ficado consternado com toda aquela conversa. Lembrou-se da conversa com o Cavaleiro de Solamnia no Bosque da Caça. O filho do Barão tinha dito que apenas a família de sua mãe a chamava de Anne. Assim concluiu que o dono da Estalagem Dragão de Bronze só poderia ser parente de Elaine, a antiga Senhora da Cidadela. Seus pensamentos foram interrompidos pela aproximação da atendente.
- O que vão querer? – perguntou Agnes. – O pato assado está ótimo!
- Tem carne de porco? – perguntou Thorvalen .– Bem salgada?
- Claro! Para os três?
- Pode trazer pra mim também! – respondeu Dális. – Estou louco por uma cerveja também. Prefiro a preta, mas se não tiver pode ser a dos anões, mas se não tiver também eu...
- Temos cerveja preta!
- Gostaria de Quith-pa se tiver! –disse a kagonesti. – Hidromel para beber.
- Frutas secas? Claro!
A funcionária da taverna se retirou com os pedidos e foi atender outra mesa. Sem qualquer explicação o pequeno gnomo saiu correndo pelo lugar ignorando os protestos do mercenário, que olhou para a druidisa. Ela respondeu com um modesto sorriso e olhou estranhamente para o lado mexendo suas orelhas.
- O que foi elfa? – perguntou o neidar proscrito, – Algum problema?
- Aqueles homens ali estão falando de uma doença que matou suas esposas.
- Bah! O que tem demais?
- Não é a primeira vez que escuto isso nessa cidade!
- Hum, é uma praga, e?
- Estão dizendo que nem os clérigos de Mishakal conseguem sanar a doença!
- Pelas barbas de Reorx!
- Já houve nessas terras algo assim, foi há uns trinta anos. A Praga da Medusa!
- Acha que está acontecendo novamente?
- Não sei, mas meu povo sempre diz que um grande mal sempre tem como arauto uma praga assim. Algo muito ruim está prestes a acontecer!



O Salão dos Escudos tinha esse nome porque era o único lugar em um castelo onde ficavam as cotas de armas que representavam cada família de cavaleiros que protegiam a cidadela. Eram escudos grandes de aço, postos lado a lado e no centro um escudo de corpo representando o lorde do castelo. Assim, no Palácio de Vivianne não era diferente.
Estavam mais de dez escudos; entre eles quatro famílias de Ergoth, Donner, Guardiãorreal, uth Galadoun e uth Kaer-dun; duas de Sancrist, Altocastelo e Markenin; cinco tradicionais de Solamnia, Brochvael, di Hamilton, Tarinius, Olhodáguia e uth Helmar; e três refugiadas, Delancis, di Kardigan e Guardacaminho. Claro, sem mencionar o escudo central dos Launwaine que comandavam a cidadela desde 1772PC.
No entanto, todos os escudos foram retirados de seus lugares e foram colocados dois da família dos Launwaine para o Duelo da Honra. Os combatentes eram dois irmãos, Sir Hector e Marhaus. Então apenas suas cotas de armas estavam nas paredes do Salão dos Escudos, era assim que deveria ser, como escrito na Medida. Estavam apenas com espadas de madeira de forma que a contenda não matasse nenhum deles.
O heraldo Valdor estava explicando as poucas regras aos dois duelistas e seu nervosismo era aparente. Temia por seu amigo, mas sabia que ele tinha que estar ali e deveria obedecer a seu pai, como estava escrito na Medida. Então um dos desafiantes, Marhaus, perguntou:
- Como pode ainda ser amigo dele?
- Deixe o em paz! – exclamou o irmão mais velho. – Sua briga é comigo.
- Eu posso falar! – disse Valdor. – Seu irmão já cometeu erros no passado como todos nós, meu senhor! No entanto, aquela pessoa não existe mais, Heitor se tornou Hector!
- Acredita mesmo nisso?
- Sim!
Somente os Cavaleiros de Solamnia ficaram no Salão, pois apenas os nobres podiam assistir a um Duelo de Honra, assim estava escrito na Medida e eles formaram um círculo para dar espaço aos combatentes. Sir Baldwin, o Barão, ordenou que se iniciasse a contenda.
Os dois irmãos ficaram parados por um momento, um em frente do outro, apenas estudando seu oponente. Marhaus empunhava a espada acima da cabeça com as duas mãos, uma guarda alta, uma postura agressiva de ataque. Sir Hector segurava a espada relaxada para baixo e a mantinha atrás de seu corpo, com o ombro esquerdo à frente, uma guarda natural, uma postura de tranqüilidade.
Foi o irmão mais novo que iniciou o ataque girando sua arma em um semicírculo pela direita tentando acertar seu adversário na perna que, este, simplesmente esquivou e golpeou de baixo para cima e quase acertou o agressor na altura da cabeça.
O irmão mais velho voltou à postura natural, mas segurava sua espada com as duas mãos dessa vez. Marhaus, depois de recuperado do susto, investiu com um pequeno salto e um ataque de estocada deixando sua arma totalmente na horizontal, o golpe da honra, pois além de parecer com um golpe de justa, para desferi-lo precisava-se negligenciar qualquer defesa.
Sir Hector conhecia bem o golpe e, desviando para o lado, deixou que seu oponente passasse. Ele poderia facilmente golpeá-lo, mas preferiu não fazer.
Ambos ficaram em guarda mediana, com as espadas encostando uma na outra, à frente deles. O jovem girou rapidamente o corpo fazendo o irmão mais velho sair da guarda e o golpeou lateralmente atingindo de forma impiedosa o tronco de seu oponente.
O cavaleiro caiu de joelhos e precisou rolar evasivamente para não ser acertado por mais um golpe de Marhaus. Foi quando notou que sua costela tinha se partido e já sentia gosto de sangue na boca. Sua visão estava embaçada e sua cabeça latejava. Já estava na hora de terminar com aquilo.
Mesmo assim, Sir Hector se levantou e com uma mão sobre o baço e a outra ainda apontando ao seu adversário. Não se entregaria, pois tinha a Medida em mente. Sendo um Cavaleiro de Solamnia deveria ter total bravura para com o inimigo, mesmo em fuga ele nunca demonstraria descontrole ou medo.
Julgando que seu oponente estava derrotado, o jovem irmão se lançou com fúria em um ataque lateral e sem técnica, apenas força. O irmão mais velho retribuiu o golpe desta vez atacando, sem se preocupar com a defesa.
Então todos no Salão dos Escudos ouviram o som de algo se partindo...



Dális, o gnomo, voltava para a mesa dos companheiros com uma enorme caneca de cerveja e mal notava qualquer um na taverna. Seus olhos estavam vidrados naquela espuma escura, pois fazia tempo que não degustava aquela bebida.
Repentinamente ouve um choque que o derrubou. O pequenino teve dificuldade de entender o que houve. Gritos de protesto foram ouvidos antes que pudesse levantar seu rosto e olhar para o imenso hobgoblin que estava na sua frente com a calça molhada de cerveja preta.
Logo foi agarrado e erguido pelas pernas ficando de cabeça para baixo. Ele começou a espernear e gritar com sua voz estridente. Queria chamar pelo amigo Thorvalen, pedindo sua ajuda. Não percebeu que o monstro tinha parado, mas notou quando foi largado no ar e se estatelando quando caiu ruidosamente no chão.
Meio tonto Dális se levantou para ver o goblin gigante caído com a Lâmina Glacial cravada em suas costas. Viu aturdido o anão proscrito se aproximar e retirar seu machado resmungando:
- Bah! Tinha que arrumar confusão não é sua matraca?
- O que eu fiz?
Haviam outros hobgoblins na Estalagem Dragão de Bronze que rapidamente se levantaram e se dirigiram para os companheiros. O confronto era inevitável e o neidar ficou chateado por ter que lutar em uma taverna tão bonita, mas sabia que não tinha como convencer os goblinóides de que aquilo era apenas um mal-entendido, que o ingênuo gnomo não tinha intenção de derrubar a cerveja em um deles. Esperava que não destruíssem tudo.



Sir Hector estava sentado no chão, sua costela doía muito e sua cabeça latejava de dor. Olhou para sua espada quebrada, mais uma vez quebrada, e seguiu com os olhos até seu irmão, vendo que ele já estava se recuperando.
O Duelo da Honra tinha terminado dando a vitória ao irmão mais velho, mas o cavaleiro não comemorou. Agora o destino de Marhaus estava em suas mãos, já que tinha vencido a contenda e, como escrito na Medida, deveria expulsar o desafiante derrotado por ter duvidado da honra de seu pai.
O ostracismo era o que todos os cavaleiros esperavam que fosse declarado ao filho mais novo de Barão, Sir Hector sabia disso, mas aquele era seu irmão e ele não queria abandoná-lo dessa forma. Mesmo sabendo que foi Marhaus que buscara aquilo, o cavaleiro o amava e tinha que resolver a situação de forma que não quebrasse o código e nem ferisse os sentimentos do irmão.
- O Duelo da Honra acabou e a glória está com meu filho! – pronunciou Sir Baldwin que claramente rejeitava o filho mais novo. – Agora o destino do derrotado está nas mãos do vencedor, mas isso será decidido depois, pois todos estamos cansados.
- Não! – disse Sir Hector levantando-se. – Meus compromissos e deveres não serão adiados. Já tenho minha resposta.
- Que assim seja, meu filho!
- Estou ciente que a cidade de Olmeiro está com problemas, pois goblins de várias tribos cercaram o local.
Todos os cavaleiros ficaram aturdidos com a notícia, mas nenhum deles compreendeu o porquê dessa revelação agora. Então o filho mais velho do Barão continuou:
- Uma brigada será entregue a meu irmão e ele irá liderá-la e por aquela cidade a salvo protegendo seu povo.
Sir Baldwin olhou para o filho com orgulho, pois agora tinha entendido suas intenções. Marhaus sairia de Relgoth como manda a Medida, mas estava dando a oportunidade dele se destacar salvando uma cidade e assim, iria não só com dignidade, mas se salvasse Olmeiro ele seria reconhecido novamente e poderia pedir o treinamento para se tornar um Cavaleiro de Solamnia. Os anos tinham trazido sabedoria a Sir Hector e seu pai se orgulhava disso.
- Que assim seja! – afirmou o Barão.



Leodegan não demorou muito para arrumar toda aquela bagunça. Os hobgoblins não deram muito trabalho para o anão e sua amiga elfa, mas mesmo assim várias cadeiras foram quebradas e os clientes derrubaram as mesas quando fugiram e precisou que o taverneiro e suas três atendentes arrumassem tudo para abrir a estalagem novamente.
- Agnes, onde estão os forasteiros? – perguntou o dono da hospedaria. – Onde estão Thorvalen e a Orvalho da Aurora?
- Foram presos! – respondeu. – A guarda os levou!
- Não! – Leodegan pensou e voltou a falar. – Emma, traga Theodore para cuidar do balcão. Bertha, eu quero que entregue uma mensagem para mim.
- Vai sair? – perguntou Bertha. – Para onde vai?
- Vou tirá-los da cadeia!
- Por quê?
- Porque eles são amigos do meu neto!
Foi dizendo isso que Leodegan uth Galadoun, pai de Elaine e sogro do Barão, saiu apressado de seu estabelecimento, a Estalagem Dragão de Bronze, para libertar os companheiros de Sir Hector, o amado de sua Anne.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Capítulo V - Os Leões de Bronze

Sir Hector Launwaine caiu de joelhos no chão. Sua mente estava atormentada com o que Handar lhe mostrou em Vingaard. Ele viu o que nenhum outro homem jamais viu em toda a história de Krynn, mas o Forte estava longe agora, junto com a Ventania e seu mestre.
O Cavaleiro da Coroa tentou contemporizar o porquê do arquimago ter lhe mostrado aquilo, mas nada o consolava e agora imaginou se não tinha finalmente perdido toda a sua sanidade.
Todos os grandes Cavaleiros de Solamnia passaram por provações. Vinnas Solamnus chorou por seus oponentes mortos; Huma Destruidor de Dragões quase desistiu de sua missão por amor; Sturm Montante Luzente foi aceito na ordem em meio a dúvidas sobre seu caráter.
Entretanto, os três viram o Cervo Branco, os três viram o arauto dos Deuses do Bem. Souberam naquele momento que estavam sendo convocados pelo sagrado Triunvirato. Estaria ele, como os lendários heróis, sendo guiado também para uma missão divina?
Não! Não eram sinais dos Deuses, não podiam ser. Estava tendo delírios com toda certeza. Sir Hector não era religioso como Vinnas, não era honrado como Huma, não era um herói como Sturm. Era apenas um homem comum como qualquer outro, não haveria canções sobre ele.
Tudo aquilo era demais para o nobre solâmnico e quando achou que finalmente iria desmaiar, o cavaleiro escutou sons de batalha ao longe e viu a fumaça de caravanas sendo queimadas. Era um ataque de goblins.
- Posso não ser uma lenda, – disse a si mesmo, juntando forças. – mas ainda há bravura em mim! Eu ainda me lembro dos meus votos.
O homem se levantou e todos os seus temores o abandonaram. Havia apenas a vida dos inocentes em sua mente. Como um cavaleiro ele deveria proteger a vida acima de tudo, como estava escrito na Medida.
Sem pensar duas vezes Launwaine entrou no conflito...



Orvalho da Aurora estava quase perdendo a consciência quando caiu. A esperança a tinha abandonado e se encolheu tremendo para receber o golpe de misericórdia que nunca veio. Fechou os olhos devido à tontura e quando os abriu, viu que estava nos braços de um homem de aço.
Era um Cavaleiro da Coroa, que estava abraçando-a gentilmente com o mesmo braço que segurava um escudo, de forma que podia defendê-la também. Portava uma espada longa em sua outra mão que estava apontada em direção do bugbear e, este, estava com um corte no braço devido ao golpe do homem que acabara de salvá-la.
Furioso, Thurk pegou sua maça que estava caída no chão e avançou com toda a força que tinha sobre os dois. O cavaleiro teve o reflexo, devido a anos de treinamento, de se proteger com o escudo, mas como protegia a elfa, ele tentou aparar o golpe com o seu braço livre. Conseguiu, mas seu membro foi esmigalhado pela força monstruosa da criatura, mesmo que protegido pela armadura completa.
O honrado solâmnico caiu de dor, mas protegeu a kagonesti a colocando embaixo de seu próprio corpo. Lembrou-se novamente da Medida. Lembrou que deveria proteger a vida acima de tudo, fosse a sua, a de seus companheiros ou a de inocentes.
- Vou mantê-lo ocupado! – disse. – Terá tempo para fugir e se proteger!
- Qual é o seu nome?
- Hector!
- Não esquecerei seu sacrifício, nobre cavaleiro!
O homem sorriu. A Medida mais uma vez veio à sua mente. Um Cavaleiro de Solamnia deverá sacrificar sua vida por um bom ideal ou por pessoas de bem, mas sua vida é muito importante para ser perdida sem razão.
Seria honrado morrer para protegê-la, mas Launwaine não entregaria sua vida sem luta. Empertigou o corpo e segurou firme seu escudo. Ele seria sua proteção e sua única arma, pois não podia usar mais seu braço direito. Não havia medo nele e o goblinóide vacilou por um momento, mas ainda sim atacou...



Thorvalen tinha ouvido gritos de Dális, que pedia socorro pela elfa selvagem. Então retirou uma adaga de lâmina larga escondida em sua bota e fincou no pescoço do worg, que uivou de dor, mas silenciou quando o neidar abriu sua garganta.
Levantou e arremessou o punhal no goblin que montava o animal e, recuperando Lâmina Glacial, se pôs a correr atrás da kagonesti, abrindo um caminho pelos duendes a machadadas! Um a um, o proscrito derrubava com apenas um golpe cada monstrinho que impedia seu avanço. Satisfeito com o impacto que as mortes dos porta-estandartes tinha causado nos inimigos, iniciou uma antiga canção de batalha dos anões da colina:

“Um goblin agora vai, outro já vai já!
Assim sorrindo, me ponho a cantar!
Um goblin agora vai, outro já vai já!
Assim sorrindo, me ponho a talhar!
Um goblin agora vai, outro já vai já!
Assim sorrindo, me ponho a matar!”

O mercenário e a cantoria pararam apenas quando ele viu o cavaleiro lutando armado com apenas seu escudo contra o imenso bugbear, era uma situação desesperadora. Não pensou duas vezes e saltou contra o monstr, cravando sua arma nas costas da criatura. Thurk tentou reagir, mas o guerreiro se segurou e acertou mais um golpe, abrindo um buraco entre o pescoço e o ombro direito, abatendo seu oponente.
Então, vendo que sua protegida não mais corria riscos, Sir Hector desabou, atordoado com o próprio ferimento.
Orvalho da Aurora viu o sofrimento do homem e se prostrou a rezar pedindo que Chislev, a Deusa da Natureza, intercedesse por seu salvador. Uma luz verde clara emanou das mãos da jovem restaurando os ossos quebrados do Cavaleiro de Solamnia, que teve sua força renovada.
Os dois guerreiros olharam admirados para ela, que se encolheu envergonhada. Sabiam agora que se tratava de uma sacerdotisa da natureza.
Assim o nobre solâmnico se curvou, agradecendo pela ajuda, e disse:
- Está bem, minha dama?
- Estou sim, obrigada! Quem é o senhor?
- Sou Sir Hector Launwaine, primeiro filho de três; Cavaleiro da Ordem da Coroa e vassalo de meu pai Sir Baldwin Launwaine, o Barão de Relgoth. Sou muito grato pela ajuda dos dois!
- Nós somos gratos! Meu nome é Orvalho da Aurora e sou uma druidisa do círculo da Floresta Enegrecida. Serva do Senhor da Floresta.
- E eu sou Thorvalen, vamos logo que isso não é um encontro social! Agora onde está aquela matraca falante?
O anão da colina procurou pelo gnomo e viu que os poucos goblins que tinham sobrevivido estavam fugindo, mas muitos dos mercadores morreram. Imaginou que teria problema com seu pagamento.
Foi quando todos viram uma das carroças ser arremessada. Quando todos viram o enorme ogro atacando. Aquelas criaturinhas covardes não estavam fugindo, apenas estavam se escondendo para que esse monstro fizesse o trabalho para eles. Aquilo iria destruir toda a caravana.
Os três se prontificaram corajosamente a enfrentar o gigante. O anão com seu machado em mãos, a elfa colocando uma flecha em seu arco e o cavaleiro erguendo seu escudo.
- Terá que usar sua espada! – disse o neidar. – Aquilo não é um duende!
- O Bugbear acabou quebrando minha espada! – respondeu o homem. – Aquele oponente é perigoso demais para nós. Temos que agir em equipe!
- Fale por você! Minha raça está acostumada e enfrentar essa besta, mas concordo que temos que agir juntos. Ponha-se na frente dele e deixe o resto comigo.
- Também quero ajudar! – reclamou a kagonesti. – Vou ficar de longe e atirar.
- Bah, elfos!
Sir Hector sorriu. Conhecia as diferenças entre o povo das colinas e o povo das matas e sua inimizade natural. No entanto, se sentiu seguro com Thorvalen e Orvalho da Aurora ao seu lado. Por algum motivo achou que eram bons guerreiros, mas não gostava muito de enfrentar um oponente recebendo ajuda. Conformou-se olhando para o Ogro e avaliando que era realmente perigoso demais.
Era um ser monstruoso com quase três metros de altura, de gordura e músculos. Tinha a pele de um amarelado encardido cheio de cicatrizes, verrugas e pêlos escuros. Sua cabeça era grande e débil, com dentes inferiores grandes o suficiente para aparecerem mesmo com a boca fechada. Vestia uma roupa de peles que protegia seu corpo, embora seu próprio couro fosse quase tão duro como o de um crocodilo. Usava uma clava rústica e um escudo feito com os ossos do crânio de algum animal muito grande.
- Afinal essa coisa burra não vai dar muito trabalho, não é mesmo? – disse o mercenário. – Não dá para esperar muito disso!
- Não bom tirar sarro de Baloth! – disse o ogro. – Baloth fica bravo e esmaga homenzinho.
- Baloth vai é morrer pela Lâmina Glacial!
Dito isso, o anão correu por entre as pernas do gigante e acertou uma machadada na coxa do monstro que urrou e golpeou o guerreiro em um movimento circular.
Launwaine se adiantou, empurrando o companheiro, e ficou com escudo aposto recebendo o ataque. A pancada foi mais forte do que ele previu e o cavaleiro foi arremessado longe.
A druidisa atirou uma flecha certeira no ombro da criatura, que a ignorou completamente. Ela disparou mais uma seta, mas esta parou nas espessas peles que o protegiam.
O neidar se recuperou e acertou-o mais uma vez com sua arma, atraindo a ira da besta, que se virou, e com as duas mãos, desceu a clava com toda a força sobre Thorvalen.
O Cavaleiro de Solamnia lançou seu escudo com força suficiente para desviar o braço do ogro e salvar novamente seu parceiro, que aproveitou para correr e ficar nas costas da criatura.
A kagonesti entendeu o plano e atirou uma Flecha Cantante. Era uma seta que os elfos usavam para sinalizar em meio a um combate. Tinha na ponta um pequeno orifício por onde passava o ar quando era disparada, produzindo um som agudo. Ela mirou perto da cabeça de Baloth, que ficou atordoado pelo barulho.
Sir Hector, que também entendeu o plano, procurou por alguma arma no chão e achou somente as cruéis espadas goblin. Pegou uma e correu para, novamente, se bater contra o monstro.
O anão da colina saltou e cravou a Lâmina Glacial nas costas do monstro, que ficou furioso e, largando a clava e o escudo, tentou alcançar seu oponente com as mãos. O mercenário se esquivou e começou a escalar o gigante a machadadas! Golpeava e subia até atingir a altura da cabeça.
Durante os ataques do guerreiro proscrito, a elfa disparava inexoravelmente suas flechas atingindo o peito da besta que estava começando a ficar desesperada.
O nobre solâmnico finalmente chegou em uma poderosa carga:
- Praethor di Sularus! – proferia um velho brado de guerra dos cavaleiros e desferiu um golpe com a espada decepando a perna da criatura, que caiu ruidosamente no chão.
O ogro, que ainda estava vivo, tentou se levantar, mas foi impedido pelos golpes de machado na sua cabeça que Thorvalen desferia.
As flechas continuavam a ser atiradas sem piedade e o honrado membro da Ordem da Coroa não se sentiu à vontade para continuar. Sabia que logo o embate terminaria bem para seus companheiros e ele se viu mais útil indo ajudar os sobreviventes daquele vil ataque.



Demorou todo o resto da tarde para que a caravana se colocasse em movimento novamente. Muitos haviam morrido no ataque e a viagem ficou com um ar lúgubre com o silêncio tomando conta de todos. Esse sentimento mudou rapidamente quando puderam ver as flores argênteas, embora rosadas pela luz avermelhada de Lunitari, das árvores Bordo-do-Norte no Bosque da Caça.
O Bosque era um local onde os nobres de Relgoth se divertiam praticando a caça. Era um costume antigo e quase não era praticado naqueles dias. A floresta abrigava em seu interior uma bifurcação do rio Vingaard que seguia para o norte, mas seu afluente vinha dos rios duplos do campo da cidade.
O Sol já estava em declínio quando chegaram e pelos conselhos do Cavaleiro da Coroa a caravana parou para descansar e continuar no dia seguinte.
- Pelo caminho que estamos tomando – disse o cavaleiro. – chegaremos na cidadela amanhã à tarde!
- Mais rápido que imaginei – comentou Asmar, o líder da caravana. – Teremos mais tempo para nos recuperarmos.
- Meu pai irá ajudá-lo a compensar a perda, com certeza!
O mercador tinha ficado menos abatido, pois sabia da honra dos Cavaleiros de Solamnia e realmente esperava que o Barão, pai de Sir Hector e o governante da cidadela, ajudasse a ele pela palavra do filho. Sim, talvez a situação não tivesse ficado tão desesperadora assim.
Thorvalen estava agora sempre junto com Orvalho da Aurora para ter certeza de sua recuperação. O anão proscrito tinha ficado feliz por Dális ter encontrado no nobre solâmnico outro alvo para sua tagarelice, mas não adiantou muito já que a druidisa estava sempre perto do humano.
Inicialmente o neidar tinha imaginado que a kagonesti, fútil como todos os elfos, tinha ficado apaixonada pelo cavaleiro, mas logo percebeu que seu interesse não era por algo assim tão simples.
Queria perguntar a ela sobre isso, mas como todos de sua raça ele era taciturno e todos sabiam que os elfos selvagens também eram reservados, então ambos ficavam juntos silenciosamente em volta da fogueira...
- Talvez eu tenha algum ancestral da cavalaria, quem sabe? – o gnomo falou cofiando seu bigode. – Moramos na mesma ilha em Sancrist e os homens de lá têm relações duradouras com meu povo!
- Talvez, – respondeu Sir Hector, desistindo de escrever em seu diário. – mas duvido que tenha chegado a tanto!
- Receio que sim, meu nobre! As gnomas são atraentes. Não são magrinhas como as suas fêmeas, apenas perdem para as anãs. Aquelas sim têm o que apertar!
- Balela! – resmungou Thorvalen sem perceber que a elfa ficou ruborizada com aquilo. – Duvido que já tenha deitado os olhos em uma anã na sua vida, sua matraca mentirosa!
- Ora, não seja absurdo! Claro que já vi, pude até espiar suas semelhanças com os machos!
- Como assim? – perguntou a druidisa. – Quais semelhanças?
- Bom, – o pequenino se aproximou dela e sussurrou no seu ouvido. – é que elas também têm barba!
- Barba? – a kagonesti exclamou alto e todos do acampamento puderam ouvir caindo na gargalhada. – Ops!
- Pelas barbas de Reorx! – bradou o mercenário. – Vai retirar isso ou eu vou esmagar sua cabecinha com minhas próprias mãos!
O intrépido Dális se pôs a correr e o anão da colina foi atrás; a visão dos dois pequenos correndo foi, de alguma forma, mais hilária para os mercadores, que rachavam de rir. Alguns chegaram a cair no chão de tanto gargalhar e nem parecia que no dia anterior estavam se defendendo de goblins, worgs e ogros.
Sem que percebessem, o Cavaleiro de Solamnia se levantou e, com um olhar sombrio, afastou-se da roda, entrando no bosque. Orvalho da Aurora o seguiu e parou ao seu lado preocupada com ele, mas o respeitou, não perguntando o que tinha, assim disse puxando assunto:
- O que estava fazendo na estrada? – o homem fez uma expressão tão triste que ela quase se arrependeu de ter feito a pergunta. Respirou e continuou: – Digo, como foi parar aqui?
- Estava voltando de uma longa e cansativa viagem! – respondeu austero o solâmnico. – Estava vindo do norte.
- Mas não cansado o suficiente para deixar de me salvar! – a elfa tentou algo mais afável. – Norte? O que o levou para o sul de sua cidade?
A garota selvagem tinha razão. O caminho do norte para Relgoth não o faria chegar tão ao sul e o membro da Ordem da Coroa se encolheu melancólico com a pergunta. Pensou em responder, mas imaginou que até uma druidisa o acharia louco, então desistiu.
- Orvalho da Aurora? – perguntou o cavaleiro mudando de assunto. – Seu nome em élfico é Aulhanne?
- Aulheanne!
- Minha mãe tinha o nome de Elaine, mas sua família a chamava de Anne.
- Que nome lindo!
- Sim, ela também me chamava por outro nome. Heitor, como é meu nome na terra dela!
- Qual era a terra dela?
Ambos se assustaram com um repentino barulho e se voltaram para observar a mata. Viram um majestoso cervo andando entre os arbustos que parou para olhá-los com curiosidade. Cervos eram comuns em Solamnia e aquele era um nobre Cervo Real, que possuía a maior galhada entre sua espécie. O animal os julgou inofensivos e inclinou tranqüilamente a cabeça para comer.
- Ela se parecia um pouco com você – Sir Hector sorriu. – Ela era bem pequena!
- Ah! Claro!
- Sua família era de Ergoth, então ela era morena, mas tinha olhos verdes como as folhas dentadas dessas árvores.
- É mesmo filho do Barão?
- Sou sim, de uma linhagem que comanda a cidadela há mais de dois milênios!
- Eu não sei o porquê, - a elfa disse vacilante. – mas eu confio em você!
- Pode confiar! Qual é o problema?
- Eu vou dizer.
A kagonesti contou tudo que sabia. Contou que o ataque à caravana não fora apenas um ataque de saqueadores, mas para encontrá-la; que ela e seus companheiros tinham a missão de proteger o Grimório de Magius e que fugia de Olmeiro, uma vila que agora estava sitiada por um exército de diversas tribos goblins unificadas.
O Cavaleiro de Solamnia viu-a estremecer com a própria história, imaginou que a jovem devia estar se condenando pelo que ocorreu com os mercadores. Então, Sir Hector acariciou o rosto dela que, envergonhada, apenas por não estar acostumada com aquele tipo de contato, abaixou a cabeça. Ele levantou seu rosto pelo seu delicado queixo e pôde ver seus olhos amendoados e com feixes rubros provocados pela Lua Vermelha.
- Tudo ficará bem! – disse e a abraçou.



Chegaram a Relgoth no fim da tarde do dia seguinte e todos se admiraram com o extenso campo que rodeava a cidadela. Eram banhados pela bifurcação do rio que formava um fosso natural com a cordilheira de Vingaard atrás.
Passaram, vindos do sul, por uma ponte com vigas de treliça feita de bronze e dava para a Aléia d’Ouro. Era uma linda alameda de Bordo-do-Norte que fora trazido do bosque e, como explicou Sir Hector, a ponte norte dava para a Aléia Campestre, que tinha Senhora-dos-Brados, trazido por Sir Dinadan Launwaine da Floresta Enegrecida antes da Terceira Guerra dos Dragões.
Os olhos dos viajantes ficaram maravilhados pelos deslumbrantes Campos Dourados que formavam toda a área entre rios, fora à própria cidadela. Plantava-se, sobretudo, aveia, que os solâmnicos há muito tempo descobriram ser importante na alimentação de seus nobres cavalos.
Chegaram finalmente às muralhas de Relgoth. Pareciam dois grandes círculos que se ligavam de forma que faziam uma intersecção onde ficava o Palácio de Vivianne; a atual sede do governo. Eram poderosas barreiras com passarelas em sua ameia por onde arqueiros vigiavam através dos merlões enfeitados com flâmulas auriverdes que eram símbolo dessa cidadela.
Podiam ver os intransponíveis portões de bronze entalhados da forma que faziam os lendários artesões do Império de Ergoth, lembrando os companheiros que a cidade era mais antiga que a cavalaria. Estavam abertos e eram guardados apenas por dois leões estatuários, um de cada lado.
Até mesmo Thorvalen parou pasmo com a riqueza de detalhes dos Leões de Bronze. Subiu na base para alisar a estátua e pôde sentir a musculatura felina esculpida que lhe deu a aterradora impressão de que estariam vivos! Ele gargalhou alto e disse:
- Essa obra só pode ter sido feita por mãos anãs!
- E foi! – elucidou o cavaleiro apontando para uma alta construção nas montanhas. – Feita no auge das minas de bronze antes mesmo dessa terra se chamar Solamnia.
- Por que leões? – perguntou Orvalho da Aurora.
- Eram os amimais que viviam aqui bem antes dos homens chegarem e expulsá-los. Viraram o símbolo da cidade e, séculos mais tarde o escudo da minha família, quando o próprio Vinnas Solamnus tornou meu ancestral Heward um cavaleiro.
- Bom, – disse o neidar. – vamos para uma hospedaria descansar. Acho que não nos veremos mais, então tenha um bom dia meu senhor!
- Tenha um bom dia também, mestre anão! – respondeu o solâmnico, concluindo que o mercenário não receberia o pagamento da caravana. – Se for de seu desejo procure uma taverna chamada Dragão de Bronze e diga que eu os mandei, Leodegan não irá cobrar a estadia de vocês!
- Não será preciso!
- Ora, permita-me agradecer a ajuda de tão nobres companheiros!
Um pouco contrariado, o guerreiro proscrito resolveu concordar. O nobre viu os três partirem e sentiu que não seria a última vez que os veria, ou pelo menos, no fundo de seu coração, ele assim esperava.
Estava feliz por voltar à sua terra de origem, mas receava que partiria logo. As informações que a elfa selvagem lhe tinha revelado eram perturbadoras e imaginava que seu pai o mandaria para Olmeiro a fim de saber o que estava acontecendo para as tribos goblins se reunirem, para que caçassem tão implacavelmente aquela caravana.
Sir Hector se dirigiu ao Palácio com a mente cheia dessas dúvidas e preocupações. Quase não percebeu os guardas de indumentária auriverde que o cumprimentavam, por ser um cavaleiro, quando passava. Quase não percebeu o quanto sua cidade mudara e que ninguém o reconhecia.
Entretanto isso mudou quando chegou ao Jardim da Despedida que compunha o pátio do enorme Palácio. Ali estavam outros Cavaleiros de Solamnia que rapidamente o reconheceram e saudaram felizes a sua volta.
Passou pelas lindas Jasmins-da-Noite que eram de cor cândida durante o dia, mas quando se abriam à noite, mostravam suas pétalas púrpuras e exalavam um cheiro forte, que o fez lembrar de sua infância, quando ele e seu irmão ainda podiam brincar vigiados pela sua mãe.
Entrou no Palácio de Vivianne e rapidamente foi levado ao Salão dos Escudos, onde os nobres se reuniam para sua Assembléia de Cavalaria. Seus membros não eram apenas da nobreza, mas faziam parte do chamado Círculo Interno, ou apenas Concílio, formado apenas por cavaleiros. Seria apenas ali onde um lorde estaria, sentado em um trono de madeira, junto aos seus vassalos.
- Bons olhos o vejam! – disse Sir Dervel, o primeiro a vê-lo. – Que seu retorno seja longo!
- Tragam meu filho a mim! – pronunciou o Barão. – Quero ver que homem se tornou!
O jovem Launwaine se ajoelhou, como escrito na Medida, em frente ao pai e entregou seu diário a Sir Raymond, o mais graduado Cavaleiro da Coroa da cidadela. Ele colocou, para espanto de todos, sua bainha vazia à sua frente, entre ele e seu suserano, e se desculpou:
- Perdão Meu Soberano! – disse. – Minha espada foi quebrada!
- Terá muito tempo para explicar isso!
Sir Baldwin Launwaine, o Barão de Relgoth, se levantou com certa dificuldade. Era um homem alto, de olhos azuis e cabelos loiros, mas já tinha mechas brancas devido à idade. Tinha uma longa barba, o que era raro na cavalaria, mas seu bigode era bem cuidado. Estava com a armadura dos Cavaleiros da Rosa bem polida, a qual lhe dava um aspecto de grande guerreiro.
Quebrando todas as formas de decoro e etiqueta, o Barão abraçou o jovem com o carinho que apenas um pai pode dar. Ele olhou admirado para seu filho que já estava com olhos marejados pela saudade e segurando seu rosto o saudou:
- Saudações, cavaleiro!
- Estou muito... – começou Sir Hector, mas foi interrompido.
- Quero que todos vejam que meu filho voltou e finalmente é um Cavaleiro de Solamnia!
Todos aplaudiram e Sir Baldwin continuou:
- Homenageio meu filho como burgo-mestre de minha cidadela em minha ausência!
- Como? – perguntou uma voz atrás dos cavaleiros que ainda não tinha se pronunciado. – Esse não é meu cargo?
- Sim, mas até seu irmão voltar!
- Mas o que sabe meu irmão dos assuntos de Relgoth? – a voz se aproximou e todos puderam vê-lo. – Eu ocupei o cargo durante anos, que direito...
- O direito que tenho como Barão!
- Mas, ele nem trouxe suas armas, como está escrito na Medida!
- Afaste-se! – ordenou o velho Launwaine. – Você não é um cavaleiro ainda, não pode entrar no Salão dos Escudos!
- Claro que posso! Sou seu filho e se não posso por direito de mérito, eu posso por direito de sangue!
O jovem socou uma mesa que estava próxima assustando a todos que estavam no Salão. Os cavaleiros já tinham se adiantado para levá-lo dali, mas pararam quando ele voltou a falar apontando para Sir Hector:
- Que assim seja, meu irmão! Eu digo que não é capaz de administrar a cidadela e por meu direito eu dou minha palavra!
Todos entenderam o que o irmão caçula acabara de fazer. Ele desafiara seu irmão mais velho. Era um Duelo da Honra. Quando um nobre solâmnico coloca sua palavra para afirmar seu ponto de vista ele se torna a verdade. Ninguém tem o direito de contestá-la, a não ser que um outro nobre o faça. Se um nobre levanta dúvidas sobre a palavra de outro, então os dois devem duelar e a verdade estará com quem vencer por combate, como está escrito na Medida.
- Que assim seja, meu irmão! – respondeu rápido Sir Hector. – Eu não levanto dúvidas sobre sua palavra!
- Mas eu sim! – pronunciou o Barão, colocando a mão em seu filho mais velho. – Eu aceito o desafio e convoco meu vassalo para resolver o embate!
- Não, pai! – protestaram os dois filhos.
- Que assim seja! – voltou a dizer o pai.
Quando o nobre que desafia, ou é desafiado, é um lorde, este pode escolher um de seus vassalos para representá-lo em um duelo, como está escrito na Medida. O desafiado escolhe as armas e se esse for representado por outro, será o lutador que escolherá a arma.
- Então – disse tristemente Sir Hector. – eu escolho espadas de madeira!
A escolha de um duelo de espadas de madeiras determina que um nobre não quer matar o outro. No entanto, lutavam sem armaduras e ambos poderiam sair machucados do combate.
As espadas foram trazidas enquanto os irmãos tiravam suas armaduras. Ambos ficaram apenas de calça e botas e se colocaram no meio do Salão, que foi montado de forma improvisada para o duelo, pois não havia tido um desde antes do Cataclismo.
Ficaram um de frente para o outro ouvindo as poucas regras da disputa enquanto os pajens colocavam um escudo da família Launwaine de cada lado, representando os dois irmãos. Eram escudos verdes com um leão amarelado no centro. Um para cada irmão. Os Leões de Bronze.