Ascensão do Inimigo

A Guerra da Lança tinha chegado ao seu fim, grandes cavaleiros se sacrificaram para manter a paz, mas o exército maligno não tinha sido derrotado totalmente. Em sua poderosa fortaleza a Dama Azul ainda planejava um último ataque de sua Armada Dracônica aos Reinos de Solamnia. No entanto, um mal muito mais antigo foi despertado sem o conhecimento de nenhum dos lados. Um inimigo incrivelmente poderoso que usa sutilmente sua influência sombria para alcançar seus objetivos. Cabe a um grupo de bravos heróis confrontar esse perigo avassalador que a todos domina. O Sussurro das Trevas é um épico de fantasia dividido em três partes que narrará uma saga no mundo de Dragonlance.

Poema dos Seis Heróis

“A palavra será a redenção dos pecadores
Apenas o mais misericordioso a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O escudo será a proteção dos desamparados
Apenas o mais honrado o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A espada será a justiça dos oprimidos
Apenas o mais temerário a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O cajado será a lei dos desesperados
Apenas o mais prudente o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A flecha será o equilíbrio dos soberbos
Apenas o mais sábio a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O machado será a vingança dos esquecidos
Apenas o mais audacioso o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas”

domingo, 19 de setembro de 2010

Capítulo VII - Cerimônia de Investidura

Semanas já haviam se passado desde a partida do comandante Marhaus. O filho mais novo do Barão recebeu como prometido uma brigada, que era formada por cerca de cinco mil soldados solâmnicos treinados para pôr a salvo a pequena cidade de Olmeiro. Os relgothianos já os chamavam de Brigada de Resgate, mas na verdade tratava-se da terceira brigada de Relgoth.
A cidadela de bronze tinha o corpo de seu exército formado apenas por uma divisão, pois não tinha número de milicianos suficientes para compor uma armada inteira. Assim, um terço de toda sua guarda da cidade foi enviada para confrontar os goblins reunidos na Floresta Enegrecida.
Ainda não se tinha notícia do quão frutífera tinha sido aquela campanha, mas todos já sabiam, pelo tempo estimado, que a hoste de Marhaus já deve ter chegado a aquela cidade. Não se esperava que fosse uma tarefa árdua, por isso os homens foram direto, sem paradas nas cidades pelo caminho. Todos tinham plena certeza que tudo iria correr bem.
Durante esse tempo a Cerimônia de Investidura de Sir Hector Launwaine foi meticulosamente preparada. Não era uma solenidade complexa, mas os rituais deviam ser seguidos à risca de acordo com o que estava escrito na Medida. Era a mais antiga tradição de Solamnia; inspirada no Comitatus, uma instituição dos povos que viviam nessas terras antes do próprio Vinnas Solamnus e que deu origem às relações de suserania e vassalagem dos cavaleiros.
- Senhores dos Cavalos, - iniciou Sir Baldwin – devemos agora, pela graça do santo Triunvirato, a Cerimônia de Investidura.
O Salão dos Escudos estava preparado e a Assembléia de Cavalaria estava totalmente reunida para a ocasião. Nenhum dos cavaleiros das quinze famílias que compunham o Circulo Interno de Relgoth tinham faltado.
- Sir Hector Launwaine, - disse o Barão – aproxime-se diante de meu trono! Mostre tua lealdade para comigo!
- Est Perunde oth Sudarus! – exclamou Sir Hector – Minha lealdade é meu valor!
Foram trazidos, pelos outros nobres; uma nova espada, uma armadura de batalha completa, um escudo e as esporas; que foram colocadas próximo ao filho do Barão que estava à frente do trono ajoelhado.
- Que seja do conhecimento de todos os senhores que eu, Sir Baldwin, estou pronto para recebe-lo como reconhecimento de seu valor!
- Est Sudarus oth Mikkas! – exclamou Sir Hector – Meu valor é minha verdade!
O jovem Launwaine se levantou e começou a vestir todo o seu equipamento com a ajuda dos outros cavaleiros. Quando ele terminou ficou ajoelhado novamente aos pés de seu pai, que se levantou.
- O senhor jura receber a mim, O Barão de Relgoth, como seu suserano em total e sincera verdade?
- Est Mikkas oth Reghnen! – exclamou Sir Hector – Minha verdade é minha palavra!
Ainda prostrado, o Cavaleiro da Coroa segurou sua espada, ainda embainhada, erguendo-a de forma a entrega-la ao Barão. O velho Launwaine caminhou solenemente até seu filho.
- Promete, como escrito na Medida, ser honesto em servir e nunca agir de forma dissimulada?
- Est Reghnen oth Sularus! – exclamou Sir Hector – Minha palavra é minha honra!
O Soberano da Cidadela segurou firme o cabo da espada de seu novo vassalo e a desembainhou com uma mensura. Levou a lâmina para seu ombro esquerdo e depois o direito e voltou a falar:
- Compromete-se a atender o seu chamado quando requisitado e defenderá seu senhor mesmo que isso lhe custe a vida?
- Est Sularus oth Mithas! – exclamou Sir Hector – Minha honra é minha vida!
- E eu, de minha parte, prometo defender e honrar teu juramento consagrando seus votos! Levante-se cavaleiro!

Todos no Salão dos Escudos, incluindo Sir Hector, se levantaram e bateram em seus escudos em congratulações. Os cavaleiros se cumprimentavam e repetiam as frases dos votos da cavalaria solâmnica.

“Est Perunde oth Sudarus!
Est Sudarus oth Mikkas!
Est Mikkas oth Reghnen!
Est Reghnen oth Sularus!
Est Sularus oth Mithas!”

Era como em um cântico que ecoava por todo o Salão, mas não era o único coro uníssono que podia ser ouvido em Relgoth naquele dia. Aquela não era a Cerimônia de Investidura que tornou Sir Hector um cavaleiro, mas era a que o tornava vassalo do Barão, vassalo de seu pai.



Embora as celas de Relgoth fossem limpas, uma cadeia era uma cadeia e como todas as prisões aquela também era desconfortável. As paredes úmidas tornavam os dias gélidos e doentes, o chão duro fazia doer o corpo e a comida era obviamente a pior da cidadela. Assim, mesmo passando apenas alguns dias, ficar preso ali era uma experiência deplorável.
- Abra os olhos, elfa! – disse Thorvalen – Um preso sempre é perigoso, mesmo que seja um mendigo velho!
- Cha! – exclamou Orvalho da Aurora – Ele pode estar doente! Que tipo de lugar é esse onde se prendem velhinhos?
- Bah! Só digo uma palavra... Humanos!
Ambos, o Neidar e a Kagonesti, estavam presos há alguns dias pela briga na taberna, mas estavam mais preocupados com um mendigo velho que apareceu preso durante a noite passada. Ele parecia um idoso tão frágil e inocente que até o anão teve piedade dele. Será que estava bem?
- Hum! – O velho sussurrou ainda dormindo – Sei que minha irmã é bonitinha, mas me dá um trabalho! Acho que toda caçula é assim...
- Velho acorde! – a druidisa falou – Está sonhando!
- Hã? Eu? Que? Onde?
O velho acordou assustado e caiu de sua cama de palha se estatelando no chão fazendo um escândalo enorme. Os dois companheiros o ajudaram a se levantar e notaram que seu odor não era tão ruim assim como parecia. Na verdade o cheiro do mendigo os lembrou da infância, quando ainda eram apenas crianças inocentes.
- Ah puxa! – o homem disse se espreguiçando – Acho que dormi muito dessa vez! Obrigado por me ter trazido pra casa de vocês, embora seja...
- Senhor – iniciou o proscrito – Não estamos em casa, estamos em uma cadeia!
- O quê? Isso é um absurdo!
- Achamos que o senhor nos diria o porquê foi preso.
- Nunca fui tão insultado na minha vida e olha que ela é longa!
Indignado, o idoso foi até as grades e gritou para os guardas, bateu nas barras de ferro e esperneou o máximo que pode, mas ninguém apareceu.
- Vou por essa cadeiazinha miserável no chão!
- Calma! – a elfa selvagem tentou tranqüiliza-lo – Logo eles nos soltam! – ela o puxou para se sentar – Qual é seu nome?
- Meu nome? Eu... Não lembro!
- Como assim, não lembra?
- Sei lá! Acho que é Fazban, ou talvez Fezban... Sei que tem algo de fabuloso nele!
- O velho é louco! – disse o mercenário na língua dos elfos para que apenas a Orvalho entendesse – Está com a doença do dobrador!
- Eu entendi isso seu anão obtuso!
- Bah, eu... Fala élfico?
- Falo sua linguagem gutural também!
- Balela! Ninguém fala meu idioma se não for da minha raça!
- Kai throntar gon-raxanum!
Foi então que Thorvalen levou um susto tão grande que seu rosto ficou inteiramente branco como se seu sangue estivesse fugido rapidamente. Ele olhou para o velho sem entender como ele podia saber sua secreta língua e aquilo foi tão irreal que sua mente se recusou a acreditar. Assim a experimentado guerreiro amoleceu suas pernas e desmaiou.



A primeiro pensamento que veio em sua mente foi: “Como o mármore é frio!”. Claro que nada se comparava a sua majestosa beleza, mas andar descalça sobre o chão de pedra calcária engenhosamente trabalhada sempre gelava os pés. No entanto, ela nada podia fazer, pois era assim que mandava o ritual de iniciação dos clérigos de Paladine.
Diana era uma moça alta e formosa, na casa dos vinte anos. Seus cabelos eram cacheados e caídos até o meio das costas. Tinha grandes olhos eram castanhos claros que contrastavam com sua pele negra como a madeira da Senhora-dos-Prados. Ela possuía lábios carnudos que lhe dava uma aparência de seriedade.
Aquela mulher era o que os membros da Ordem das Estrelas chamavam de Suplicante. Uma jovem sacerdotisa do Cavaleiro Valente que ainda não tinha sido consagrada pelos clérigos dos Deuses da Luz, mas já possuía dons sagrados que podiam realizar pequenos milagres.
A Ordem estava sendo restaurada desde o final da Guerra da Lança, pois antes disso, acreditava-se que os Deuses tinham abandonado o mundo depois do Cataclismo. Agora cada vez mais fiéis surgiam e um grande número de clérigos eram investidos nas novas igrejas dos verdadeiros Deuses.
Muitos templos foram construídos nos últimos anos e a Catedral do Pai de Platina era um deles. Feita quase que totalmente de mármore, a igreja ficava na diocese de Relgoth no distrito norte da cidadela e teve a presença do próprio Sumo Pontífice Elistan em sua inauguração, uma cerimônia chamada de Icolo.
Agora Diana, entre outras aspirantes, andavam pela nave do santuário e, vestidas apenas com um roupão, se dirigiam ao exuberante jardim que ficava no interior da catedral. Chamado de Bosque do Cervo Branco o local era na verdade um termas arborizado com uma grande piscina em seu centro.
O ritual de iniciação, chamado de Fascledon, era uma cerimônia de investidura que marcava a passagem do grau de Suplicante para se sagrar verdadeiramente um clérigo. Os sacerdotes do Cavaleiro Valente chamavam essa nova posição da hierarquia canônica de Reverendo Filho de Paladine.
Assim a jovem solenemente retirou suas vestes e entrou na água se dirigindo a sua superiora chamada Ladwys. Uma Bispa da nobre família dos Guardacaminho, que fundou a Catedral da Lâmina Celeste e esposa do Cavaleiro da Espada Sir Borns Brochvael. Assim, Lady Ladwys era uma mulher que já tinha enfrentado mais de sessenta invernos, com os cabelos já brancos que lhe davam uma postura majestosa.
A Bispa estendeu as mãos para Diana e a olhou com uma ternura que apenas uma mãe teria. A jovem não era sua filha, mas fora abandonada ainda pequena nas ruas de Relgoth e quase viraria uma bandoleira se não fosse pelo encontro que as duas tiveram há doze anos atrás. Ambas como sacerdotisas não consideravam aquilo uma coincidência, mas claro uma evidente prova de que os Deuses verdadeiros nunca as tinham abandonado.
A órfã tinha sido criada praticamente sozinha até então e por isso possuía uma personalidade auto-suficiente que encantou Lady Ladwys. Sob seus cuidados Diana se tornou uma linda jovem calma, prudente e solidária. Tinha a sabedoria que o cargo de Reverenda exigia e isso a enchia de orgulho.
A noviça foi mergulhada na água pela Bispa que fazia uma oração abençoando sua filha adotiva. Diana também pediu, em uma prece silenciosa, que Cavaleiro Valente a guiasse para enfrentar os perigos que o sacerdócio poderia trazer, mas principalmente que tivesse a sabedoria para ser uma serva útil para levar sua luz a escuridão do mundo.
A recém investida Reverenda Filha de Paladine saiu na água e se enxugou na toalha trazida pelas diaconisas, que também trouxeram suas novas vestes. Era uma batina branca com detalhes em dourado e seria sua roupa até o fim de sua vida. No entanto, o mais importante era o Medalhão da Fé. Feito de platina, esse colar possuía o triangulo; símbolo sagrado de seu Deus e necessário para invocar os milagres que futuramente realizaria.



Thorvalen abriu os olhos e demorou a recobrar a consciência. Pode ouvir os murmúrios de Orvalho da Aurora rezando por ele e sua visão foi se focando lentamente. Lembrou que ainda estava preso e lembrou do Velho que o estava encarando e então resolveu falar:
- Não sei como aprendeu minha língua seu louco, mas...
- Se me chamar de louco de novo eu faço sua barba cair! – disse o mendigo – Seu proscrito!
- Cha! Que os espíritos nos protejam! – exclamou a elfa selvagem – Calma para vocês dois ou eu que vou fazer a barba horrível de ambos!
O idoso e o neidar olharam para ela refletindo no absurdo que era a sua afirmação. Todos os anões se orgulhavam de sua barba e de fato nunca as cortavam, pois assim eles se sentiriam eunucos. No entanto, aquilo nada significaria para um velho mendigo humano, então os dois se olharam e riram da druidisa fazendo-a rir também.
- Bom, - falou o homem - irei tirar nós três daqui!
- Como? – falou o mercenário – Só se fosse um mago!
- Ah, bem lembrado meu amigo! Tenho uma magia maravilhosa para esses momentos! Sempre a uso para sair de prisões!
- Mas, - observou a mulher élfica – você disse que nunca foi preso...
- Deixe me ver! Como era mesmo? Ah, sim! Lembrei!
Então o mendigo se levantou e gesticulou enfaticamente com os braços e começou a falar algo no antigo idioma dos magos.
- Ast Kiranann...
Repentinamente ouviram um barulho de estalo tão alto que atrapalhou a magia do velho. Então sons de pequenas peças de metal batendo uma nas outras ressoaram pela cadeia e por um momento só podiam ouvir passos se aproximando rapidamente.
Então puderam ver os carcereiros abrindo a cela e saindo para que três homens entrassem. Os companheiros reconheceram rapidamente Leodegan e Sir Hector, mas não conheciam o outro cavaleiro, embora perceberam sua semelhança com o taverneiro.
O agora investido vassalo do Barão de Relgoth prontamente se ajoelhou aos amigos e com uma mensura disse:
- Sinto por terem ficado tanto tempo presos! Com tanta coisa acontecendo foi difícil para Leodegan e seu filho Sir Caleddin me contatarem, mas isso não é desculpa. Eu humildemente peço perdão!
Orvalho da Aurora e Thorvalen estavam ressentidos com o amigo solâmnico, pois sabiam que era filho do soberano da cidadela e podia ter tirado os dois rapidamente. Entretanto as palavras do Cavaleiro da Coroa tocaram seus corações e não podiam fazer nada diferente de perdoa-lo.
- Astanti, tharkas! – a elfa selvagem falou afagando o companheiro – Estamos bem, eu digo!
- Bah, garoto! – exclamou o anão da colina – Não se preocupe com essa besteira, está aqui agora não?
- Sim, agora estou! – respondeu Sir Hector apontando para o outro cavaleiro – Este é Sir Caleddin uth Leodegan, Cavaleiro da Rosa e meu tio por parte de mãe.
- Tsarthai, deghnyah! – cumprimentou o nobre – É sempre um prazer conhecer os amigos de meu sobrinho!
Todos no lugar fizeram uma mensura e o Velho foi tão exagerado que chamou a atenção dos cavaleiros. O mendigo sorriu contente e saindo da cela todo apressado desviando dos guardas e gesticulando freneticamente como um louco ele começou a dizer:
- Bom, antes tarde do que nunca! Vamos logo que temos muito a fazer.
- Pode liberta-lo também? – a kagonesti perguntou – Ele é apenas um velho mendigo!
- Qual é o seu nome meu senhor?
- Fizban, o Fabuloso!
- Bah, agora lembrou é? – perguntou o mercenário – Tem certeza desse nome, pode ser Fuzban!
- Não diga absurdos! Claro que lembro meu nome! Vamos logo que temos que salvar o Dális!
- O quê?
Todos ficaram pasmos! Ninguém tinha visto mais o gnomo desde a confusão na taverna Dragão de Bronze, mas como aquele louco conhecia Dális e mais ainda, salvá-lo de quê?



O comandante Marhaus estava prostrado de joelhos nos Campos de Galen, próximos a Floresta Enegrecida, nas portas da cidade de Olmeiro. Sua perna esquerda doía vertiginosamente pelo golpe que recebera do capitão hobgoblin que prontamente o capturou. Tinha feito um talho que sangrava inexoravelmente tingindo sua bota surrada de vermelho e não permitindo que se levantasse.
O capitão Crod Rachacrânios, o goblinóide, estava contente, pois tinha trazido o comandante solâmnico para o acampamento colocando-o aos pés de sua líder a Alta Maga Negra Selanthara. O hobgoblin tinha uma inteligência rara para sua raça e isso sempre lhe dava cada vez mais premiações e destaque no exército. Ele esperava ser redimido do fiasco que foi mandar o bugbear Thurk atrás do Grimório de Magius.
Marhaus pouco se importava com o capitão em sua entranha armadura, ele estava consternado pela derrota deplorável que acabara de sofrer. Pensou em como seu pai, o Barão de Relgoth, receberia a notícia e viu seu desejo de ser investido cavaleiro esvair-se. Teria vencido, se não fosse o Dragão.
Estava com a batalha ganha, mas foi então que surgiu um Dragão Azul virando a maré contra os soldados relgothianos. A criatura simplesmente planou por cima das fileiras da Brigada de Resgate e foi como se o próprio céu tivesse caído sobre suas cabeças. A maior parte do exercito debandou apavorada de medo e os poucos bravos que resistiram foram massacrados pela hoste maligna. Tudo estava perdido, sua única oportunidade de cair nas graças de seu pai tinha falhado. Não que Marhaus gostasse da oportunidade que Sir Hector lhe tinha dado. O comandante solâmnico via aquilo como um ato de misericórdia, e ele não precisava da pena de seu irmão. Queria alcançar a cavalaria pelas próprias mãos, mas agora não haveria para ele uma cerimônia de investidura.
Selanthara viu a desolação estampada na face de seu oponente derrotado e um sentimento de lástima inundou seu coração. A Irda lutou contra aquela emoção, mas ordenou que cuidassem de seus ferimentos.
Marhaus a observou atentamente e ficou admirado ao ver como a arcana negra era linda, mesmo naquela situação a beleza sobrenatural dela saltava-lhe os olhos. Uma alta mulher ruiva de pele branca como a neve em contraste ao negro profundo de seus mantos. Os olhos verde-esmeralda da Alta Maga fitaram os dele com curiosidade, mas foram rapidamente desviados pela chegada do Senhor dos Dragões.
Era uma imponente figura que vestia uma armadura azul, da forma que parecesse com escamas de dragão, com detalhes em dourado. Tinha uma capa de um tom ciano escuro como as nuvens de uma tempestade. Possuía como armas apenas uma espada curta do lado direito e uma adaga do lado esquerdo de seu cinturão. Retirando sua hedionda máscara falou:
- Sou o Alto Lorde dos Dragões Kitiara uth Matar, também chamada de Dama Azul e comandante suprema dos Exércitos Dracônicos da Rainha das Trevas.
Kitiara olhou para Marhaus com um sorriso torto e sedutor imaginando se ele tinha ficado impressionado pelo fato dela ser uma mulher. Ela passou a mão displicentemente pelos seus cabelos negros e rentes sacudindo-os sem desarrumar a bandana vermelha que protegia seus olhos do suor.
O comandante solâmnico já tinha percebido que o Alto Lorde dos Dragões não era um homem, pois a graciosidade de seu andar e sua bela armadura cintilante ajustada de forma que enfatizasse as curvas de suas longas pernas, já a tinha entregado. Sua beleza sensual e sua postura imperiosa eclipsavam até mesmo a lindíssima Selanthara.
- Como pode ver meu caro, - a Dama Azul voltou a dizer – os mais altos postos do nosso exército são alcançados por mérito, sem serem barrados por tradições antiquadas ou títulos de nobreza. Aqui sabemos que tudo o que importa realmente é o poder!
- O que quer de mim? – perguntou o filho do Barão de Relgoth – Por que ainda estou vivo?
- Ora, tanto você comandante quanto os seus soldados serão presos e muito bem tratados, como manda as leis da ética de guerra.
Ela fez uma pausa e caminhou em volta de seu ilustre prisioneiro. Queria estuda-lo da mesma forma que queria ser admirada por ele. Era uma antiga tática sua para converter os inimigos a sua causa. Kitiara colocou retirou suas luvas pretas e colocou as mãos no rosto desolado de Marhaus e o encarou com seus lindos olhos castanhos envoltos em longos cílios negros e continuou:
- Mas não precisa ser assim. Eu reconheço seu valor em combate e tenha certeza que há lugar tanto para o senhor como para seus soldados. Tenho certeza que alcançará um alto posto na hierarquia da armada!
- Acha realmente que pode me quebrar tão facilmente? – ralhou o solâmnico – Não desistirei de minha honra!
- Claro que não! No entanto, seria idiotice e não honra lutar contra a rainha das Trevas, como pode ver, nada nos derrotará agora!
Foi quanto todo o campo ficou escuro como se a noite tivesse caído implacavelmente sobre eles. Marhaus tinha imaginado que era o Dragão Azul voltando em seu vôo mortal, mas estava totalmente enganado. Então toda a esperança o abandonou quando ele viu a Cidadela Voadora.

domingo, 5 de setembro de 2010

Capítulo VI - Os Amores de Anne

Era uma tarde do mês de Larebrum no Jardim da Despedida quando flores estavam fechadas ainda, guardando seu perfume delicioso para as noites de verão. Elaine estava em um dos maravilhosos piqueniques que costumava fazer naqueles jardins apenas com a sua família, sem a presença de outros nobres, sem a presença dos cavaleiros. Ela olhava feliz para as Jasmins-da-noite e perguntou a si mesma se Vivianne tinha sentido toda essa alegria assim como a que vivia naquele momento.
Estava grávida novamente e sentia que nada podia estragar sua felicidade agora. Já tinha dado dois filhos ao marido e queria uma filha agora, para ser sua companhia quando os homens fossem a guerra. Sabia que haveria guerra, mesmo que as rebeliões contra os cavaleiros nunca tenham atingido Relgoth, sabia que a paz duraria pouco; a paz sempre durava pouco, mas não se importava, pois estava eufórica.
Elaine tinha feito um bom casamento, era a Senhora da Cidadela e seu pai estava orgulhoso, pois era a filha mais velha e seu irmão era muito pequeno, assim um bom casamento era tudo o que se desejava nesses casos. O nome não se perpetuaria por ela, mas a renda da família estava garantida e Elaine, mais uma vez, estava grávida.
Então a senhora imaginou novamente se Vivianne tinha ficado assim quando esperava por seu filho. Olhou em volta e imaginou como deveria ser grandioso o amor de Sir Pellimore Launwaine, para que ele construísse o Palácio de Vivianne que, sua senhora, retribuiu criando o maravilhoso Jardim da Despedida. Claro que o jardim recebeu esse nome apenas quando Sir Pellimore foi para os campos de Dergoth, onde foi deflagrada a Guerra dos Portões dos Anões e não mais voltou para a sua Vivianne, não mais voltou para o seu amor materializado nesse Palácio.
Entretanto ela esperou seu cavaleiro voltar, plantando Jasmins-da-noite, naqueles jardins toda noite e ele nunca voltou, assim logo morreu de tristeza deixando seu herdeiro, Sir Cadwallon, aos cuidados do regente de Relgoth que decidiu fazer do Palácio de Vivianne a nova sede do governo, depois da queda das minas e da cidade alta. Foi depois desses eventos que todos os relgothianos também chamavam aquelas flores de Senhora-da-noite, cujas cores púrpuras se tornaram à cor de luto da cidade, como já eram dos elfos.
Elaine gostava dos contos de Vivianne, pois ambas tinham o apelido de Anne, que em élfico significava orvalho. No caso da esposa de Sir Pellimore isso não era um acaso, já que ela era uma realmente uma elfa, uma druidisa do povo dos Qualinesti que tinha se apaixonado por um humano. Seu povo não aceitava aquela união, então Vivianne largou tudo, até sua pátria, para viver seu amor, para viver com seu cavaleiro. Nada poderia ser mais trágico, pensou Elaine, esperava não ter um fim assim.
- Está tudo bem, Anne? – perguntou seu marido. – Parece meio distante...
- Estava pensando em meu filho. Onde será que ele está?
- Deve estar brincando com aquele amiguinho camponês dele!
- Não fale assim, meu amor! Marhaus meu querido, ache Heitor, sim?
O garoto que acompanhava o casal saiu à procura do filho da senhora e entrou nas partes mais escuras dos jardins. Não foi muito difícil de achá-los, pois sabia bem onde gostavam de brincar. No entanto, ficou muito assustado com o que viu.
Heitor estava usando seu amigo de cavalinho, estava montado encima dele e com golpes de vareta ele montava em suas costas. Seria uma brincadeira inocente se Heitor não fosse um nobre e o pobre amigo um servo. Assim o pequeno Marhaus ficou indignado e gritou:
- Não faça isso com o pobre coitado! Não vê que o está humilhando?
- Por quê? Ele disse que não tinha problema?
- Claro seu idiota, – o garoto respondeu tirando Heitor de cima do camponês. – do contrário, seu pai dará uma surra nele! Como a surra que vou te dar agora!
Os dois garotos se atracaram como dois pequenos leões, rolaram pelos jardins se esmurrando e dando pontapés. Eles não ouviram quando o pequeno campônio saiu correndo e chorando, assim como não ouviram quando seus pais chegaram, mas ouviram quando a ordem foi proferida:
- Parem! – disse Sir Baldwin. – Pelos antigos Deuses, vocês dois são irmãos!
- Pai – respondeu Marhaus. – ele estava judiando do pobre do Valdor, usava o coitado de cavalo, eu...
- Não perguntei, quero que suba para seus aposentos para refletir o que fez e só quero vê-lo novamente quando eu o chamar!
- Estou muito decepcionada, Marhaus! – disse Elaine. – Não deve deixar a violência tomar conta de você!
- Sim, sua mãe está certa! – voltou a dizer o pai. – Um Cavaleiro de Solamnia deverá sempre agir com serenidade, uma espada só sairá de sua bainha para se defender, nunca para ameaçar, como está escrito na Medida!
O garoto saiu soluçando pelo choro contido, pois sentia que os pais amavam mais seu irmão mais velho do que a ele. Era pequeno demais para entender o por que estava errado em sua atitude, apenas via que era castigado enquanto seu irmão, mesmo estando errado, não. Pensou que não havia justiça naquilo, mas um dia provaria seu valor.
Entretanto isso não era verdade, o Barão apenas não castigava seu filho na frente do mais novo, pois não queria que Marhaus desrespeitasse o irmão.
- Heitor! – disse Sir Baldwin. – Logo vai abandonar esse nome de criança que sua mãe te chama e vai se tornar Hector, um homem, um cavaleiro! Não poderá tratar os outros dessa maneira.
- Não entendo...
- Escute-me e escute bem! Não pode fazer das pessoas o que quer, tem que entender que seu amigo é um camponês e é claro que vai fazer tudo que pedir, mas tem que respeitá-lo! É a família dele que nos alimenta e é nosso dever protegê-los e não usá-los como cavalo, não usá-los para nossos caprichos, entendeu?
- Acho que sim pai, desculpe!
- Um Cavaleiro de Solamnia deverá, tendo prometido proteger um inocente, nunca lhe aplicar maus tratos, guardando-o de todo perigo ou afronta.



Leodegan limpava o balcão diligentemente como sempre fazia entre um pedido e outro. O Dragão de Bronze era a maior estalagem em Relgoth e uma das maiores de toda Solamnia. Estava dividida em uma Taberna com palco no primeiro andar, onde também ficavam a cozinha e o estábulo do lado de fora; o empório no segundo andar que também tinha o quarto do dono e camarotes para o teatro; e finalmente, o terceiro andar com vários quartos para hóspedes e viajantes.
Era comum dizer que a Estalagem Dragão de Bronze tinha tudo para os aventureiros que estavam de passagem e isso, claramente, não estava longe da verdade. Todos os funcionários se esforçavam ao máximo para manter o lugar sempre cheio de suprimentos e tinha um ótimo atendimento. O lugar era limpo e tinha poucas brigas, pois poucos queriam encrenca em um lugar que tinha um antigo Cavaleiro de Solamnia como dono. Logo, a hospedaria estava sempre lotada.
Entretanto, mesmo assim, Leodegan percebeu a entrada de um estranho trio em sua taberna. Eram um anão da colina, uma elfa selvagem e um pequenino gnomo, que rapidamente foram atendidos por uma de suas atendentes que os levou a uma mesa ao fundo e perto de uma enorme janela. Aquele era um dos melhores lugares e sempre estava reservado a clientes especiais fazendo o taberneiro pensar o porquê sua jovem funcionaria os colocou ali, mas ela logo veio até o balcão e explicou:
- Patrão, aqueles ali querem lhe falar!
- Os colocou em uma mesa reservada. Bertha. Quero saber o porquê.
- Disseram que eram amigos do filho do Barão, Sir Hector!
- Acreditou neles?
- Ora, não sei! Não me parecem mentirosos.
- Está certo! Vou ver o que querem.
O dono da hospedaria pegou uma caneca para limpar e com um sorriso foi até os estranhos aventureiros. Ele era um homem de estatura média, mas muito forte. Logo se percebia que já foi um homem de armas e, contudo, seu ar nobre podia indicar que tenha sido um cavaleiro, embora não tivesse bigode. Tinha a pele negra, mas seus olhos eram verdes indicando ancestrais brancos, talvez solâmnicos, e mantinha os cabelos brancos bem curtos.
- Meu nome é Leodegan – disse aos companheiros. – Sou o dono do Dragão de Bronze.
- Sou Thorvalen e esses são Orvalho da Aurora e o pequeno chama-se Dális.
- Prazer, em que posso ser útil?
- Sir Hector disse que não nos cobraria a estadia. Somos conhecidos dele!
- Muitos dizem que são...
- Está dizendo que estou mentindo?
O taberneiro se viu em uma situação delicada, pois conhecia bem a fama dos anões se irritarem com uma dúvida sobre sua palavra. Eram piores que os cavaleiros, já que uma vez bravos, tornava-se quase impossível acalmá-los. Por outro lado, também não sabia se estavam dizendo a verdade. Era fato que o jovem cavaleiro era dado a amigos incomuns, mas ele estava longe da cidadela, ou pelo menos pensava assim.
- Não ouso duvidar de suas palavras, mestre anão! – disse finalmente Leodegan. – No entanto, entenda que Sir Hector está longe daqui!
- Está errado! – afirmou o proscrito. – Ele chegou conosco e foi para o Palácio de Vivianne.
- Ajuda se dissermos que a mãe dele o chamava de Heitor? – perguntou a kagonesti. – Acho que apenas os amigos saberiam disso, não?
- Sim, Anne o chamava assim – respondeu o taberneiro com um ar sombrio. – Agora acredito em vocês e peço sinceras desculpas se os ofendi de alguma forma.
- Certo! – exclamou o neidar. – Está acostumado a lidar com humanos!
Leodegan não deu atenção para o insulto, na verdade estava acostumado a lidar com várias raças e podia dar conta da situação tranqüilamente. Como a atendente que os acomodou estava ocupada, ele mandou outra funcionária para atendê-los. Agnes era mais experiente com outros povos e se sentiu tranqüilo com a mudança. Logo se esqueceu dos três e pensou sobre a volta de Sir Hector e somente naquele momento percebeu o quanto estava com saudade.
Orvalho da Aurora acompanhou com os olhos o taberneiro e percebeu o quanto ele tinha ficado consternado com toda aquela conversa. Lembrou-se da conversa com o Cavaleiro de Solamnia no Bosque da Caça. O filho do Barão tinha dito que apenas a família de sua mãe a chamava de Anne. Assim concluiu que o dono da Estalagem Dragão de Bronze só poderia ser parente de Elaine, a antiga Senhora da Cidadela. Seus pensamentos foram interrompidos pela aproximação da atendente.
- O que vão querer? – perguntou Agnes. – O pato assado está ótimo!
- Tem carne de porco? – perguntou Thorvalen .– Bem salgada?
- Claro! Para os três?
- Pode trazer pra mim também! – respondeu Dális. – Estou louco por uma cerveja também. Prefiro a preta, mas se não tiver pode ser a dos anões, mas se não tiver também eu...
- Temos cerveja preta!
- Gostaria de Quith-pa se tiver! –disse a kagonesti. – Hidromel para beber.
- Frutas secas? Claro!
A funcionária da taverna se retirou com os pedidos e foi atender outra mesa. Sem qualquer explicação o pequeno gnomo saiu correndo pelo lugar ignorando os protestos do mercenário, que olhou para a druidisa. Ela respondeu com um modesto sorriso e olhou estranhamente para o lado mexendo suas orelhas.
- O que foi elfa? – perguntou o neidar proscrito, – Algum problema?
- Aqueles homens ali estão falando de uma doença que matou suas esposas.
- Bah! O que tem demais?
- Não é a primeira vez que escuto isso nessa cidade!
- Hum, é uma praga, e?
- Estão dizendo que nem os clérigos de Mishakal conseguem sanar a doença!
- Pelas barbas de Reorx!
- Já houve nessas terras algo assim, foi há uns trinta anos. A Praga da Medusa!
- Acha que está acontecendo novamente?
- Não sei, mas meu povo sempre diz que um grande mal sempre tem como arauto uma praga assim. Algo muito ruim está prestes a acontecer!



O Salão dos Escudos tinha esse nome porque era o único lugar em um castelo onde ficavam as cotas de armas que representavam cada família de cavaleiros que protegiam a cidadela. Eram escudos grandes de aço, postos lado a lado e no centro um escudo de corpo representando o lorde do castelo. Assim, no Palácio de Vivianne não era diferente.
Estavam mais de dez escudos; entre eles quatro famílias de Ergoth, Donner, Guardiãorreal, uth Galadoun e uth Kaer-dun; duas de Sancrist, Altocastelo e Markenin; cinco tradicionais de Solamnia, Brochvael, di Hamilton, Tarinius, Olhodáguia e uth Helmar; e três refugiadas, Delancis, di Kardigan e Guardacaminho. Claro, sem mencionar o escudo central dos Launwaine que comandavam a cidadela desde 1772PC.
No entanto, todos os escudos foram retirados de seus lugares e foram colocados dois da família dos Launwaine para o Duelo da Honra. Os combatentes eram dois irmãos, Sir Hector e Marhaus. Então apenas suas cotas de armas estavam nas paredes do Salão dos Escudos, era assim que deveria ser, como escrito na Medida. Estavam apenas com espadas de madeira de forma que a contenda não matasse nenhum deles.
O heraldo Valdor estava explicando as poucas regras aos dois duelistas e seu nervosismo era aparente. Temia por seu amigo, mas sabia que ele tinha que estar ali e deveria obedecer a seu pai, como estava escrito na Medida. Então um dos desafiantes, Marhaus, perguntou:
- Como pode ainda ser amigo dele?
- Deixe o em paz! – exclamou o irmão mais velho. – Sua briga é comigo.
- Eu posso falar! – disse Valdor. – Seu irmão já cometeu erros no passado como todos nós, meu senhor! No entanto, aquela pessoa não existe mais, Heitor se tornou Hector!
- Acredita mesmo nisso?
- Sim!
Somente os Cavaleiros de Solamnia ficaram no Salão, pois apenas os nobres podiam assistir a um Duelo de Honra, assim estava escrito na Medida e eles formaram um círculo para dar espaço aos combatentes. Sir Baldwin, o Barão, ordenou que se iniciasse a contenda.
Os dois irmãos ficaram parados por um momento, um em frente do outro, apenas estudando seu oponente. Marhaus empunhava a espada acima da cabeça com as duas mãos, uma guarda alta, uma postura agressiva de ataque. Sir Hector segurava a espada relaxada para baixo e a mantinha atrás de seu corpo, com o ombro esquerdo à frente, uma guarda natural, uma postura de tranqüilidade.
Foi o irmão mais novo que iniciou o ataque girando sua arma em um semicírculo pela direita tentando acertar seu adversário na perna que, este, simplesmente esquivou e golpeou de baixo para cima e quase acertou o agressor na altura da cabeça.
O irmão mais velho voltou à postura natural, mas segurava sua espada com as duas mãos dessa vez. Marhaus, depois de recuperado do susto, investiu com um pequeno salto e um ataque de estocada deixando sua arma totalmente na horizontal, o golpe da honra, pois além de parecer com um golpe de justa, para desferi-lo precisava-se negligenciar qualquer defesa.
Sir Hector conhecia bem o golpe e, desviando para o lado, deixou que seu oponente passasse. Ele poderia facilmente golpeá-lo, mas preferiu não fazer.
Ambos ficaram em guarda mediana, com as espadas encostando uma na outra, à frente deles. O jovem girou rapidamente o corpo fazendo o irmão mais velho sair da guarda e o golpeou lateralmente atingindo de forma impiedosa o tronco de seu oponente.
O cavaleiro caiu de joelhos e precisou rolar evasivamente para não ser acertado por mais um golpe de Marhaus. Foi quando notou que sua costela tinha se partido e já sentia gosto de sangue na boca. Sua visão estava embaçada e sua cabeça latejava. Já estava na hora de terminar com aquilo.
Mesmo assim, Sir Hector se levantou e com uma mão sobre o baço e a outra ainda apontando ao seu adversário. Não se entregaria, pois tinha a Medida em mente. Sendo um Cavaleiro de Solamnia deveria ter total bravura para com o inimigo, mesmo em fuga ele nunca demonstraria descontrole ou medo.
Julgando que seu oponente estava derrotado, o jovem irmão se lançou com fúria em um ataque lateral e sem técnica, apenas força. O irmão mais velho retribuiu o golpe desta vez atacando, sem se preocupar com a defesa.
Então todos no Salão dos Escudos ouviram o som de algo se partindo...



Dális, o gnomo, voltava para a mesa dos companheiros com uma enorme caneca de cerveja e mal notava qualquer um na taverna. Seus olhos estavam vidrados naquela espuma escura, pois fazia tempo que não degustava aquela bebida.
Repentinamente ouve um choque que o derrubou. O pequenino teve dificuldade de entender o que houve. Gritos de protesto foram ouvidos antes que pudesse levantar seu rosto e olhar para o imenso hobgoblin que estava na sua frente com a calça molhada de cerveja preta.
Logo foi agarrado e erguido pelas pernas ficando de cabeça para baixo. Ele começou a espernear e gritar com sua voz estridente. Queria chamar pelo amigo Thorvalen, pedindo sua ajuda. Não percebeu que o monstro tinha parado, mas notou quando foi largado no ar e se estatelando quando caiu ruidosamente no chão.
Meio tonto Dális se levantou para ver o goblin gigante caído com a Lâmina Glacial cravada em suas costas. Viu aturdido o anão proscrito se aproximar e retirar seu machado resmungando:
- Bah! Tinha que arrumar confusão não é sua matraca?
- O que eu fiz?
Haviam outros hobgoblins na Estalagem Dragão de Bronze que rapidamente se levantaram e se dirigiram para os companheiros. O confronto era inevitável e o neidar ficou chateado por ter que lutar em uma taverna tão bonita, mas sabia que não tinha como convencer os goblinóides de que aquilo era apenas um mal-entendido, que o ingênuo gnomo não tinha intenção de derrubar a cerveja em um deles. Esperava que não destruíssem tudo.



Sir Hector estava sentado no chão, sua costela doía muito e sua cabeça latejava de dor. Olhou para sua espada quebrada, mais uma vez quebrada, e seguiu com os olhos até seu irmão, vendo que ele já estava se recuperando.
O Duelo da Honra tinha terminado dando a vitória ao irmão mais velho, mas o cavaleiro não comemorou. Agora o destino de Marhaus estava em suas mãos, já que tinha vencido a contenda e, como escrito na Medida, deveria expulsar o desafiante derrotado por ter duvidado da honra de seu pai.
O ostracismo era o que todos os cavaleiros esperavam que fosse declarado ao filho mais novo de Barão, Sir Hector sabia disso, mas aquele era seu irmão e ele não queria abandoná-lo dessa forma. Mesmo sabendo que foi Marhaus que buscara aquilo, o cavaleiro o amava e tinha que resolver a situação de forma que não quebrasse o código e nem ferisse os sentimentos do irmão.
- O Duelo da Honra acabou e a glória está com meu filho! – pronunciou Sir Baldwin que claramente rejeitava o filho mais novo. – Agora o destino do derrotado está nas mãos do vencedor, mas isso será decidido depois, pois todos estamos cansados.
- Não! – disse Sir Hector levantando-se. – Meus compromissos e deveres não serão adiados. Já tenho minha resposta.
- Que assim seja, meu filho!
- Estou ciente que a cidade de Olmeiro está com problemas, pois goblins de várias tribos cercaram o local.
Todos os cavaleiros ficaram aturdidos com a notícia, mas nenhum deles compreendeu o porquê dessa revelação agora. Então o filho mais velho do Barão continuou:
- Uma brigada será entregue a meu irmão e ele irá liderá-la e por aquela cidade a salvo protegendo seu povo.
Sir Baldwin olhou para o filho com orgulho, pois agora tinha entendido suas intenções. Marhaus sairia de Relgoth como manda a Medida, mas estava dando a oportunidade dele se destacar salvando uma cidade e assim, iria não só com dignidade, mas se salvasse Olmeiro ele seria reconhecido novamente e poderia pedir o treinamento para se tornar um Cavaleiro de Solamnia. Os anos tinham trazido sabedoria a Sir Hector e seu pai se orgulhava disso.
- Que assim seja! – afirmou o Barão.



Leodegan não demorou muito para arrumar toda aquela bagunça. Os hobgoblins não deram muito trabalho para o anão e sua amiga elfa, mas mesmo assim várias cadeiras foram quebradas e os clientes derrubaram as mesas quando fugiram e precisou que o taverneiro e suas três atendentes arrumassem tudo para abrir a estalagem novamente.
- Agnes, onde estão os forasteiros? – perguntou o dono da hospedaria. – Onde estão Thorvalen e a Orvalho da Aurora?
- Foram presos! – respondeu. – A guarda os levou!
- Não! – Leodegan pensou e voltou a falar. – Emma, traga Theodore para cuidar do balcão. Bertha, eu quero que entregue uma mensagem para mim.
- Vai sair? – perguntou Bertha. – Para onde vai?
- Vou tirá-los da cadeia!
- Por quê?
- Porque eles são amigos do meu neto!
Foi dizendo isso que Leodegan uth Galadoun, pai de Elaine e sogro do Barão, saiu apressado de seu estabelecimento, a Estalagem Dragão de Bronze, para libertar os companheiros de Sir Hector, o amado de sua Anne.