Ascensão do Inimigo

A Guerra da Lança tinha chegado ao seu fim, grandes cavaleiros se sacrificaram para manter a paz, mas o exército maligno não tinha sido derrotado totalmente. Em sua poderosa fortaleza a Dama Azul ainda planejava um último ataque de sua Armada Dracônica aos Reinos de Solamnia. No entanto, um mal muito mais antigo foi despertado sem o conhecimento de nenhum dos lados. Um inimigo incrivelmente poderoso que usa sutilmente sua influência sombria para alcançar seus objetivos. Cabe a um grupo de bravos heróis confrontar esse perigo avassalador que a todos domina. O Sussurro das Trevas é um épico de fantasia dividido em três partes que narrará uma saga no mundo de Dragonlance.

Poema dos Seis Heróis

“A palavra será a redenção dos pecadores
Apenas o mais misericordioso a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O escudo será a proteção dos desamparados
Apenas o mais honrado o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A espada será a justiça dos oprimidos
Apenas o mais temerário a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O cajado será a lei dos desesperados
Apenas o mais prudente o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A flecha será o equilíbrio dos soberbos
Apenas o mais sábio a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O machado será a vingança dos esquecidos
Apenas o mais audacioso o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas”

domingo, 10 de outubro de 2010

Capítulo VIII - A Cidadela Fantasma

Os capangas estavam dentro do casarão, escondidos da pesada chuva de fim do mês juventerde, que lavava a Cidadela dos Leões de Bronze. Não era a profissão que eles almejavam, oras, não era o ofício desejado por ninguém, mas ao menos trabalhar para o Chifre Quebrado lhes rendia comida no prato. Os tempos eram difíceis, como se dizia, e eles não tinham nada do que reclamar. Essa era a frágil e desesperada justificativa para o banditismo.
Apenas dois homens guardavam a entrada da fortaleza secreta daqueles escravocratas e era mais do que suficiente. Wunibald e Horst, um meio-elfo, eram homens experientes naquele negócio e, afinal de contas, poucas pessoas sabiam da existência daquela perversa guilda e um número ainda menor sabiam onde se instalava a sede da infame organização maligna.
Um casarão antigo e aparentemente mal-cuidado. Entretanto é apenas um disfarce para um local cheio de passagens secretas e cujos níveis baixos levam a uma cadeia complexa de túneis. Mesmo em uma invasão seria difícil prender e confiscar todos os bens daqueles marginais. Tudo dava a eles a vantagem sobre a guarda da cidade, que mesmo se descobrisse o local, teria uma dificuldade imensa de vasculhar todas as salas escondidas.
Assim não era muito laborioso para os capatazes ou era pelo menos o que aqueles vis criminosos pensavam. Estavam sentados confortavelmente em cadeiras de mogno sob a luz de lampiões na sala de entrada onde faziam o de sempre: jogavam Rei e Rainha, um jogo de cartas famoso entre os mercenários e as tavernas sem classe. Foi quando Horst, sem o menor aviso, levantou-se parecendo ter pressentindo algo. Wunibald, que conhecia muito bem aquela expressão do amigo, olhou com cautela exagerada e perguntou ao colega:
- O que foi? – disse. – Consegue escutar algo com essa chuva?
- O Cântico do Dragão – respondeu o meio-elfo. – Não acredito nisso!
- O quê?
Tão logo disse isso o descendente dos elfos e, abrindo a porta da entrada principal, saiu para a Rua dos Pedreiros. Mesmo vendo a origem do som o capanga não podia acreditar naquilo. Havia no meio da rua um homem loiro que tocava um modesto alaúde. Um heraldo cantando em meio àquela chuva!

“Paladine, o Grande Deus do Bem, resplandeceu ao lado de Huma,
fortalecendo a lança que ele carregava em seu braço direito,
e Huma, radiante como mil luas, baniu a Rainha das Trevas,
baniu as hostes de convidados barulhentos dela
e os mandou de volta para o reino insensível da morte,
onde suas maldições foram lançadas sobre o vazio absoluto
muito distantes da terra iluminada.”

Sem entenderem o que estava acontecendo os dois bandidos se entreolharam e foi o meio-elfo que perguntou:
- Será que ele está bêbado?
- Provavelmente Horst! – respondeu Wunibald. – Mas deve ter algum dinheiro com ele ainda. Vamos pegar!
- Ótimo!
Então os inescrupulosos marginais saíram de sua guarda e foram à rua para se aproveitarem do embriagado bardo sem saber que não estavam sozinhos na verdade. Eles não ouviram as flechas certeiras como a morte atingi-los, bem como nenhum outro membro da criminosa guilda percebeu seus dois porteiros se estatelarem pesadamente e sem vida no chão.
Enquanto isso, um homem entrou rápido como um relâmpago pela porta entreaberta da sede do Chifre Quebrado e sem a menor cerimônia passou pela sala de entrada e abriu a próxima e única porta que havia naquele local. Como seu movimento foi natural, os criminosos que lá estavam demoraram a perceber que não era um dos seus que estava entrando na secreta fortaleza, mas com toda a certeza não era um deles mesmo!
Era um humano no auge de seus quase dois metros de altura e possuidor de um corpo incrivelmente forte. A armadura de aço que o protegia tornava-o ainda mais ameaçador, entretanto foi o emblema em seu escudo que assustou os bandidos. Estava desenhado um martim-pescador com escudo no peito, uma coroa na cabeça e pisando em uma espada emaranhada de rosas. O símbolo da cavalaria, assim aquele indivíduo se tratava de um Cavaleiro de Solamnia.
Aqueles tratantes mal podiam reagir à celeridade do poderoso guerreiro que golpeou com seu escudo dois deles antes dos outros se colocarem em pé para combatê-lo adequadamente.
Um bandido golpeou o homem armadurado que sacou sua própria arma e se defendeu. O choque das duas espadas fez a lâmina chanfrada do criminoso quebrar dando ao homem de armas tempo suficiente para golpear a perna de seu oponente o deixando fora de combate.
Outros investiram contra o invasor e somente um deles foi mais rápido apenas para ser atravessado pela espada do nobre cavaleiro, mas aquilo era uma finta, uma elaborada distração. Enquanto os bandidos confrontavam o homem, um capataz tentava fugir a fim de avisar o resto da guilda sobre aquela súbita invasão. Entretanto um machado de guerra ganhou o ar passando rente à cabeça do solâmnico. A arma silvou pelo corredor e acertou o marginal em cheio, silenciando-o eternamente na escuridão da morte.
Os poucos que ali sobraram foram postos a dormir pelas palavras vacilantes, mas poderosas do velho arcano. Um homem de mantos desgastados que há muito não dava mais para identificar sua cor encardida pelo tempo. Muitos o tomariam apenas por um mendigo louco.
Um anão das colinas retirou sua lâmina gélida do homem que acabara de morrer e, junto ao membro da cavalaria solâmnica, continuaram a seguir com velocidade, não dando chance a avisos e alertas. Ambos eram ajudados pela espada sagaz do jovem heraldo, pelas flechas certeiras da elfa kagonesti e pelos conselhos do excêntrico mago que os acompanhava diligentemente.
O fim do corredor revelava mais uma porta e atrás delas mais capatazes da guilda do Chifre Quebrado vieram se bater contra os heróis. O cavaleiro não gostava de usar a sua ornamentada espada longa, mas eles eram muitos e crianças inocentes dependiam dele; muito dependia dele. Aquele vil ofício tinha que acabar, aquela era uma parte esquecida da cidade, uma cidadela fantasma, mas ele ainda se lembrava.
Os cinco companheiros foram descendo os níveis, por vezes secretos, da sede da organização. Muito deviam ao velho por saber o local e exatamente por onde continuar, mas foi o heraldo que desarmou a maioria das armadilhas que protegiam os segredos da sede daquela maligna guilda. Isso tornou tudo mais rápido, como eles queriam, como precisavam e os poucos bandidos que ousaram impedir aquela empreitada foram rechaçados implacavelmente como uma onda inexorável.
Logo chegaram às masmorras e encontraram aquilo que estavam procurando. As crianças que seriam vendidas como escravas ainda estavam ali, bem como o pequeno e intrépido gnomo...
- Ah, mas vocês são muito bem-vindos – disse Dális. – Pensei que já tinhas se esquecido de mim. Talvez tenham se lembrado, mas de memórias ruins e decidido me largar aqui para ser vendido. No entanto e, entretanto, talvez meu aclamado destino tivesse, de certa forma, sido uma jornada deveras interessante, pois nunca tinham tentado me vender antes! Receio que se não fosse pelos maus tratos eu lhes diria que preferiria ter ficado, já que fiz tantos bons amiguinhos aqui! Sim! Entretanto e, no entanto, vale lembrar que faço bons amigos em qualquer lugar, pois sou um gnomo muito agradável de se conversar. Sempre pronto a escutar sabe?
A criaturinha foi interrompida pelo velho que simplesmente a jogou para o lado da cela. Os outros companheiros estranharam a atitude vinda de alguém tão debilmente inofensivo, mas logo entenderam seu motivo. O arcano se ajoelhou em frente a uma das crianças e a segurou nos braços com todo o carinho. O garoto estava doente e o cavaleiro rapidamente o pegou nos braços.
- Essa é a criança que devemos salvar primeiro! – disse Sir Hector. – As outras que puderem andar venham comigo!
- Cha! – exclamou a elfa Orvalho da Aurora. – Essa deve ser a doença que tanto falaram da hospedaria! Deixe-me ajudar o pobre menino!
A kagonesti então tocou no enfermo que estava aos braços do nobre solâmnico e fez uma prece a sua Deusa Chislev. Entretanto ela assustou quando percebeu que nada acontecia, mesmo com o poder da natureza fluindo de seu caloroso toque.
- Kith’pah goray! – disse a druidisa. – Que os espíritos nos protejam, pois eu não consigo sanar o mal que aflige essa criança!
- Exatamente como ouvimos na taverna! – falou o Thorvalen. – Nem as clérigas curam essa doença! É como as antigas pragas anãs! Reorx guie essa alma a sua forja ardente!
- Muito próximo a isso mestre anão! – respondeu o heraldo. – Já tivemos uma praga assim antes, que não há forma alguma de sanar seus efeitos. Não há nada a fazer...
- Não? Meu caro Valdor! – respondeu Fizban, o velho mago. – Mesmo agora ainda há esperança!



Ela arqueou as costas para trás até o limite de sua espinha em um prazer febril e de pleno êxtase. Jogou-se sedutoramente dengosa sobre o corpanzil de seu amante que perguntava a si mesmo se sua vida poderia ser melhor do que era naquele exato momento. O homem acariciava o corpo cálido dela deslizando seus dedos na pele macia e de brilho bronzeado, que o fazia lembrar-se de sua terra. Entretanto ele estava bem longe de sua cidadela e ficou contente por essa virada em sua vida.
Sim, Marhaus Launwaine tinha saído de uma malfadada batalha como comandante de uma singela brigada solâmnica para cair nas graças da maior marechal dos Exércitos Dracônicos. Ela mesma tinha o tornado um dos seus Senhores dos Dragões e agora ele tinha uma jovem, mas mortal, Dragoa Azul sob seu comando. Sua Relgoth não podia lhe dar algo assim, nem se ele fosse respeitado como deveria. Viveu tanto tempo na sombra de seu irmão e agora estava em uma posição que Sir Hector nunca alcançaria.
- Em que está pensando? – disse Kitiara. – Ainda pensa em seu pai?
- Não! – Marhaus respondeu acariciando os curtos cabelos da mulher e percebeu apenas agora o quanto gostava de agradá-la. – Penso ainda em minha terra, mas agora é uma lembrança distante. No entanto, receio que logo receberemos notícias deles, pois eles virão à procura de seu filho desgarrado.
Havia um pesar profundo nas palavras do forte homem de armas e a Dama Azul percebeu isso nitidamente. Ela acariciou o peito daquele homem lhe dando seu sedutor sorriso torto que sabia: o solâmnico adorava.
- Não se desgaste com isso Marhaus, meu querido! Que venham os exércitos auriverdes, pois você repelirá a todos e protegerá a cidade que eu lhe concedi com tanto mérito!
Mérito! Isso era verdade? Pensou ele. Qual foi a honra naquilo, se ele ganhou a cidade por trair sua terra, seus ideais e sua família. Não, aquilo era uma vergonha e ele fazia parte daquilo, mas esses pensamentos logo saíram de sua cabeça sob as delicadas mãos de Kitiara que cofiava o bigode de Marhaus.
- Acho melhor fazer a barba – disse ela sendo acariciada intimamente por seu amante. – Hum, estamos fogosos hoje...



O Salão dos Escudos no Palácio de Vivianne estava mais uma vez lotado pelos Cavaleiros de Solamnia, preocupados com suas deliberações. Tinham que levar luz à escuridão que tomou conta da Cidadela dos Leões de Bronze trazendo novamente a esperança ao seu povo. Aquela perversa doença tinha que ser vencida, mas nenhum dos cavaleiros parecia ter a menor idéia de como sanar algo que nem as hospitalárias de Mishakal sabiam curar. Eram tempos ruins aqueles que assolavam Relgoth, pragas que se tornavam arauto de guerras.
- Não apenas essa praga que temos de resolver – pronunciou o Barão Baldwin. – Temos de abrir as cortinas sombrias que cobrem o destino que o Batalhão de Marhaus teve em tão distantes terras.
- Concordo Milorde! – disse Sir Hector. – Entretanto as questões de nossa gente ainda permeiam minha mente, ao menos. Eu tive uma criança com aquela maldição em minhas mãos e sei dos horrores da praga. Nossa amada cidade irá sucumbir se não fizermos nada! Aqui será uma cidadela fantasma...
- Pela minha espada! – exclamou Sir Raymond. – Como faremos isso se nem com a ajuda dos Deuses podemos contar!
- Isso não é um fato! – afirmou Sir Caleddin. – Vemos o plano geral dos eventos ou sabemos os desejos dos Deuses com isso?
- Sabemos bem! – respondeu Sir Dervel. – Fomos amaldiçoados pelo vento negro, isso sim! A Torre de Morgion está na Cidadela de Bronze!
Os cavaleiros ficaram apreensivos com as palavras agourentas de Guardiãorreal e um tumulto se iniciou em todo o salão. Foi quando o único de fé inabalável, o líder dos cavaleiros da espada Sir Borns, esclareceu:
- A esperança ainda não nos abandonou! Existe, como deveriam saber, um lugar místico ao leste das Cordilheiras de Vingaard chamado Fontes da Cura muito próximo ao Monte Cendar. Sabemos desse local sagrado, pois foi de onde vieram as águas da antiga Senhora do Lago! Uma vez foram trazidas essas bênçãos e podem ser buscadas novamente.
- Não passam de lendas do Palácio de Nimue que está em ruínas. – contrapôs Dervel. – Aquele local amaldiçoado há muito sucumbiu pela ganância das minas de bronze. O lugar agora não passa de sombra e pó.
- Entretanto as fontes podem existir ainda – argumentou Caleddin. – Poderíamos mandar alguém para averiguar isso, milorde!
- Sim! – afirmou o Barão de Relgoth. – Mas com tão poucos homens, quem poderíamos mandar?
- Eu vou! – respondeu Sir Hector. – E não levarei mais nenhum dos nobres cavaleiros comigo, esta é uma missão para um pequeno grupo!
- Que assim seja! – voltou a falar o velho Launwaine. – No entanto, temo pelo povo, pois será um longo caminho contornar as montanhas de Vingaard.
- Não irei contornar! – esclareceu seu filho. – Tomarei a antiga via para a Casa de Inverno! Irei por dentro das montanhas do antigo Palácio de Nimue.
- Então irá pela Cidadela Fantasma! – exclamou o pai. – Filho, aquela é a perdição de Dinadan! As minas não passam de ruínas malditas...
- Sim! – afirmou Sir Borns Brochvael. – Entretanto Sir Hector, filho da Cidadela de Bronze, não irá sozinho! Pedirei à minha amada esposa lhe indicar uma sacerdotisa pessoalmente para acompanhá-lo naquela senda lúgubre.



O Palácio de Khalaran Shirak era, diziam alguns, um refugio mágico do maior mago de todos os tempos. Segundo a lenda Magius teria deixado ali um de seus grimórios de viagem e talvez, neste livro arcano, teria a mais poderosa magia já criada por um humano, a Luz Verdadeira de Magius, ou na língua dos magos, Magius Khalaran Shirak.
Entretanto os atuais habitantes do ancestral palácio, centro da cidade que hoje chamamos de Olmeiro, não têm a mínima idéia de onde estaria aquele tão procurado Grimório de Magius. Outro livro; não mais antigo, mas bem mais perverso, estava ocupando a mente daqueles que lá se encontravam.
A soberana da cidade Lady Herra fazia as honras aos visitantes naquela tarde chuvosa da última semana do mês juventerde. Ali estavam o Arquimago de Mantos Negros chamado Velthorm e sua discípula Selanthara. Juntos esperavam a chegada do Senhor dos Dragões Marhaus Launwaine. Entretanto a chegada de seu comandante não demoraria muito...
- Ah, finalmente temos o ar da sua graça, meu senhor! – disse com tom de chiste o Mago Negro. – Parece que finalmente Kitiara uth Matar o deixou se levantar de tua cama!
- Mais um comentário desses, Velthorm, e quem não levantará mais é você! – respondeu nervosamente o solâmnico. – Não é para brincadeiras que estamos aqui, não?
- Não meu senhor, me desculpe!
- Então... O livro já está contigo?
- Sim! Pude finalmente decifrar o livro que Harkiel me entregou e agora posso não apenas indicar onde está a Última Torre como saber que perigos podemos encontrar e como despertar o Antigo!
Isso era uma boa notícia sem dúvida. Marhaus sabia do desejo da Dama Azul em trazer de volta sua amada Rainha das Trevas, mas não sabia como atender esse desejo. Assim ele traria outra criatura para ajudá-la na sua guerra! Não sabia exatamente a extensão dos poderes do Antigo, mas se os sagrados heróis do Rei-sacerdote não puderam destruí-lo, então suas habilidades deveriam ser no mínimo extraordinárias.
- A Lorde Suprema dos Exércitos Dracônicos já partiu, mas me deu uma permissão para entrar em Noturna – falou Marhaus. – Teremos que tomar cuidado extra nesse lugar, pois um mal terrivelmente medonho habita aquelas terras.
- Será a Noite do Olho no último dia deste mês – revelou o arquimago. – Devemos chegar lá nesta data!
- Então temos três dias!
- Sim, Selanthara! Ficará novamente com o controle total de Olmeiro e não falhe comigo! Confio essa cidade à discípula de Velthorm!
- Confiança que não será em vão, meu senhor! – respondeu ela com uma mesura. – Comando as tribos goblins unidas e não o decepcionarei!
Assim o Senhor dos Dragões Marhaus e o Arquimago de Mantos Negros Velthorm partiram para sua maligna missão voando nas costas da Dragoa Azul Tempestade do Deserto levando consigo inocentes crianças. Mal sabiam eles o perigo e o desespero que seria despertar aquele que deveria ser esquecido.



Os sete heróis subiram as escadarias que levam à antiga cidade alta, ou como chamam agora Cidadela Fantasma. Fora os anéis murados de Relgoth, ali ficava o Palácio de Nimue e como tal representava o poder dos soberanos da família Launwaine antes do Palácio de Vivianne. O lugar tinha sido construído em frente às grandes minas de bronze que hoje não passavam de ruínas. Estavam todos com pesadas mochilas, pois sabiam que a viagem seria longa...
Sir Hector Launwaine, o Cavaleiro da Coroa, era burgomestre e filho do Barão da Cidadela dos Leões de Bronze. Um alto e forte homem de armas membro da ordem solâmnica há muito pouco tempo, mas o que lhe faltava em experiência ele tinha em vontade. Tinha apenas sua espada como forma de ataque e sua armadura e escudo como defesa.
Valdor, o heraldo vinha ao lado de Sir Hector e, de fato, era seu mais antigo e fiel escudeiro. Um camponês que teve a sorte de ter a amizade da família governante da Cidadela, um expoente a bardo treinado na maior escola de menestréis de Ansalon; o Colégio de Bardos Ergothiano. Discípulo do Deus Branchala, a canção da vida e tão habilidoso com seu alaúde como é com seu fino, mas ágil sabre.
Fizban, o Fabuloso vinha logo atrás com seus passos vacilantes e sua aparência descompromissada. Entretanto até mesmo seus companheiros já tinham percebido que por trás daquelas roupas de mendigo se escondia um poderoso mago que devia ter lutado em alguma guerra no passado. Tinha uma longa barba branca e um ridículo chapéu pontiagudo que sempre caía e nunca ficava direito em sua cabeça.
Diana, a Reverenda de Paladine, ajudava o pobre velho a subir aquelas longas escadarias com sua preciosa compaixão. Tinha sido indicada pela Bispa Ladwys a pedido de Sir Borns. Trajada com uma leve armadura de metal coberta pela batina branca com detalhes em dourado de sua ordem a sacerdotisa ainda portava uma maça-estrela e funda como armas. Era uma mulher formosa de pele negra e cabelos cacheados. Os olhos castanhos claros lhe davam um ancestral incomum que desconhecia por ser órfã, mas em nenhum momento lamentava isso.
Thorvalen, o proscrito, vinha logo atrás sempre carregando a Lâmina Glacial, seu machado, com seu braço direito e seu escudo de aço presos ao seu braço esquerdo. Vestia uma armadura de couro batido e ainda trazia uma pesada besta como arma. Um forte e experiente anão das colinas que tinha uma longa e grisalha barba, mas sempre muito bem cuidada. Sua pele escura como madeira lhe dava uma aparência ainda mais ameaçadora.
Orvalho da Aurora, a elfa kagonesti, estava sempre ao lado do amigo mercenário e percebia agora que tinha criado uma forte ligação a aquele rabugento e taciturno anão. Era pequena e tinha a aparência frágil, mas para olhos bem treinados a druidisa tinha a postura firme e os braços fortes como os de um excepcional arqueiro. Tinha longos cabelos lisos e castanhos que escondiam, em uma franja, seus lindos olhos cor de mel.
Dális, o gnomo, vinha por último, mas não menos animado que os outros com sua missão. Tinha menos de um metro de altura, o que o fazia praticamente sumir entre os sete companheiros. Entretanto suas roupas extravagantes e sua personalidade sempre alegre o faziam se destacar entre os heróis. Tinha apenas sua sagacidade e uma adaga como armas. O punhal era muito bem trabalhado e cravejado de jóias e entalhes dignos do ofício de um ferreiro anão.
Chegaram ao final da escadaria e puderam ver toda a cidade alta. Estava o Palácio à sua direita enfrente ao lago que ficava bem no centro do antigo jardim, que agora não passava de um lôbrego bosque com árvores secas e plantas mortas. Na esquerda ficavam a Cordilheira de Vingaard e as ruínas das minas de bronze, onde estava o destino dos sete companheiros.
- Esse é o antigo palácio construído pelo próprio Sir Heward Launwaine – disse Valdor. – Uma homenagem à sua esposa, a Senhora do Lago!
- Sim! – concordou o cavaleiro com feições sombrias. – O corpo de Nimue está enterrado dentro do lago. Esse lugar sempre foi um mausoléu!
- No entanto, houve gloria no passado, não? – perguntou Fizban. – Havia um tempo em que o lago era abençoado com a luz da vida!
- Sim! – respondeu Diana. – As águas curativas das fontes que iremos buscar também existiam neste lago e suas águas também sanavam os males da pestilência do vento negro. Mas como o bronze sempre foi o símbolo do Deus Morgion, essa terra também foi amaldiçoada.
- A Ruína de Dinadan! – esclareceu Sir Hector. – A praga e fome assolaram aquele tempo e em desespero o meu ancestral explorou as minas de tal forma que seus homens morriam da forma mais miserável. Assim este lugar foi chamado de Masmorras de Vingaard, pois Dinadan não permitia mais que os mineiros voltassem sem o precioso bronze. Por fim, o Lorde da Cidadela ainda quis cobrar pelas curas do lago, com medo de secar a água abençoada, e esse foi o fim do palácio que fora invadido pelos mineiros amaldiçoados e camponeses revoltados. Assim diz a lenda!
- Que horrível! – exclamou Orvalho da Aurora. – Você me diz que apenas o corpo da Senhora está no lago, mas eu consigo ver dois túmulos!
- Tens bons olhos! – elogiou Valdor. – O túmulo de Sir Dinadan também está ali! Foi enterrado pelos cavaleiros antes de abandonarem a Cidade Alta.
- Cha! – disse a elfa. – Eu vi muitos túmulos nas cidades dos homens e percebi que vocês cultuam a morte de seus entes queridos, mas este é o primeiro túmulo de um cavaleiro que eu vejo!
- Sim! – respondeu Sir Hector. – É um costume solâmnico não enterrar os cavaleiros, pois eles devem ser levados à Cúpula da Criação pelas chamas ardentes da honra. Entretanto não foi permitido isso a Dinadan e ele foi enterrado com sua espada, a mesma arma de seus ancestrais, pela vergonha que causou aos Cavaleiros de Solamnia.
Enquanto conversavam os companheiros caminhavam pelo pátio em ruínas e se dirigiam à entrada das minas. Todo o lugar era medonho e o próprio ar parecia mais pesado naquele amaldiçoado local. A própria entrada tinha duas fileiras de restos mortais de pessoas que foram empaladas e agora estavam ali, como que um aviso a quem quer que fosse para não entrar...
- Há algo escrito aqui, mas não reconheço as runas! – disse Thorvalen. – Parece um idioma dos dragões, mas não sei ler isto!
- Sim, mestre anão! – afirmou Sir Hector. – No entanto, não é um idioma dracônico realmente, mas o antigo idioma de Ergoth. Era muito usado antigamente e tem origem no dialeto dos dragões como bem percebeste! Aqui diz que estas são as Masmorras de Vingaard, pois todo aquele que entrar ficará preso por toda a eternidade!
- Um aviso dos mortos! – disse Valdor. – Esse lugar está amaldiçoado e talvez não devêssemos entrar!
- Eu não temo os mortos! – inspirou Diana. – Fiquem junto a mim e posso protegê-los dos flagelos de Chemosh!
- E seria uma proteção de grande valor sem dúvida! – exaltou Fizban que já estava às portas da entrada das minas. – Entretanto receio que nossos caminhos nem sempre serão juntos à sua confortante presença, minha filha! Mas me permita levar a luz onde as trevas dominaram por séculos! Shirak!
Assim a ponta do cajado do mago começou a emanar uma intensa luz pelo poder se suas palavras e gestos precisos. Logo todos podiam enxergar por dentro do túnel que levaria ao interior das montanhas. O velho foi o primeiro a entrar, mas um sentimento ruim atingiu os heróis quando um vento gélido e fétido veio de dentro das minas. Era como se a própria vontade do lugar lutasse contra eles, mas foi a coragem de Diana e Sir Hector em acompanhar Fizban que levaram os outros a seguir em frente, rumo ao que poderia ser a salvação de Relgoth. A busca pela cura de uma praga obscura que afetava seu povo.
- São cinco dias de caminhada! – disse Fizban. – E esperemos não acordar os mortos dessas fúnebres minas.