Ascensão do Inimigo

A Guerra da Lança tinha chegado ao seu fim, grandes cavaleiros se sacrificaram para manter a paz, mas o exército maligno não tinha sido derrotado totalmente. Em sua poderosa fortaleza a Dama Azul ainda planejava um último ataque de sua Armada Dracônica aos Reinos de Solamnia. No entanto, um mal muito mais antigo foi despertado sem o conhecimento de nenhum dos lados. Um inimigo incrivelmente poderoso que usa sutilmente sua influência sombria para alcançar seus objetivos. Cabe a um grupo de bravos heróis confrontar esse perigo avassalador que a todos domina. O Sussurro das Trevas é um épico de fantasia dividido em três partes que narrará uma saga no mundo de Dragonlance.

Poema dos Seis Heróis

“A palavra será a redenção dos pecadores
Apenas o mais misericordioso a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O escudo será a proteção dos desamparados
Apenas o mais honrado o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A espada será a justiça dos oprimidos
Apenas o mais temerário a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O cajado será a lei dos desesperados
Apenas o mais prudente o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A flecha será o equilíbrio dos soberbos
Apenas o mais sábio a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O machado será a vingança dos esquecidos
Apenas o mais audacioso o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas”

terça-feira, 1 de junho de 2010

Capítulo IV - Orvalho da Aurora

O inverno era particularmente severo nas terras dos cavaleiros. A neve caía constantemente no mês de Profundeiro e a corrente gelada que sopra do Mar de Sirrion traz tempestades glaciais implacáveis.
A impressão que se tinha quando se deparava com as Planícies de Solamnia nessa época do ano é que se estava vendo uma tundra.
As estradas e vias ficavam obstruídas, tornando o percurso laborioso para os audaciosos, senão imprudentes, viajantes que desafiavam aquela paisagem gélida. Assim todo o comércio ficava estagnado e nenhum produto saía de uma cidade para outra. Todos tinham que viver do que fora estocado o ano inteiro.
O inverno em Solamnia era inexorável e qualquer erro podia ser fatal.
Mesmo toda aquela desolação mudava bruscamente no primeiro mês da primavera, o Riaverde. Chamado de “Alvorecer da Primavera” pelos elfos e de “Degelo Montanha” pelos bárbaros, esse era o período mais lindo do ano, todas as flores desabrocham acolhendo hospitaleiramente a estação vindoura.
Logo o comércio era reaberto velozmente, “temos que recuperar o tempo perdido”, como diziam os burgueses. Várias caravanas prontamente voltavam a cruzar as rotas que ligavam os mais importantes centros daquelas terras. O contato entre Palanthas, Solanthus, Lemish, Relgoth, Hargoth, Kalaman, Gaarlus, Thelgaard, Caergoth, Granada e o Porto do Chamado estava revigorado e a sobrevivência dessas cidades garantidas.
Viajavam com as caravanas madeira, ervas, alimento, gemas, minério, para o mercado interno, mas vinham de outros reinos também cereais, cerâmicas e couro curtido de Abanassínia; ferro e aço de Ergoth Setentrional; sal, peixes exóticos e navios das Ilhas do Mar de Sangue; diamantes, especiarias e seda de Khur e alimentos de cabra e lã de Ortiva.
Solamnia prosperava dessa forma, mesmo sendo uma terra de cavaleiros, e por isso atado ao sistema feudal. Os mercadores cresciam de uma forma desenfreada, ficando cada vez mais poderosos. A economia era movida pelo forte comércio das estradas, por isso os solâmnicos mantinham suas rotas livres e bem cuidadas, mas muitos perigos podiam se abater aos viajantes.
Percorrer as estradas no início da primavera também era perigoso, pois muitos goblins, saqueadores e, naqueles dias estranhos, até os bárbaros das planícies atacavam os viajantes buscando debelar os males causados pelo recente inverno. Logo não poderia haver apenas comerciantes e burgueses em uma caravana.
Muitos eram os aventureiros que ganhavam a vida ao se juntavam aos mercadores em suas perigosas viagens. Guardiões, guerreiros e combatentes que, por um bom preço, protegiam os mercadores de ataques de saqueadores tornando o negócio um pouco mais seguro, mas nunca totalmente estável. Sempre haveria imprevistos, sempre haveria a necessidade de mercenários.
Assim essa era uma profissão muito lucrativa, pois um homem de armas era sempre bem-vindo em uma caravana e se tinha alguém que entendia bem disso, se tinha alguém que sabia ganhar moedas sendo um protetor de mercadores, esse era Thorvalen, o proscrito.
Expulso do clã neidar, dos anões das colinas, por algum motivo que se recusava a revelar, o anão tinha conquistado fama como mercenário e nunca tinha falhado em uma missão. Mesmo com seu jeito rabugento e teimoso, os viajantes achavam muito bom ter o seu machado por perto ou, como o ele próprio dizia, “machado por prata!”.
Como todos de sua raça ele era baixo, mas menos do que se esperava. Tinha um metro e meio de altura e era bem mais largo que um humano. Seus braços pareciam toras de madeira e sua pele escura comprovava essa impressão. Vestia uma armadura de couro muito resistente que se escondia debaixo de sua longa barba grisalha. Estava com um grande machado de guerra preso às costas e uma besta pesada feita pelo seu povo na cintura, junto a sua aljava cheia de quadrelos com pontas de aço.
Estava agora em uma caravana, saindo de Kyre, indo em direção a Solanthus, para depois Palanthas. Levavam com eles todo tipo de mercadoria em dez carroções, sob o comando das mãos, cheia de dedos nodosos, de Asmar, um mercador de Thelgaard que enriqueceu pelo próprio trabalho.
Além do guerreiro também viajava, na segunda carruagem, um pequeno e intrépido gnomo que, para desalento do neidar, não parava de matraquear desde que se encontraram, como era o costume de todo o povo daquela diminuta raça. Assim o mercenário era o alvo de todo o seu enfadonho falatório.
- ...então eu disse! – falou o pequenino. – Vai ter que pôr mais uma válvula aí meu caro! Não tem como criar uma máquina que faz gelo apenas com quatro e, já que estamos falando nisso, pode pôr umas três roldanas também! Ora, como quer que abram a porta disso? Com as mãos?
Tudo aquilo era tão irritante para o rabugento Thorvalen se imaginava esmagando a cabeça daquela criaturinha e, olhando para suas enormes mãos, pensou que não seria lá muito difícil.
Os gnomos eram pequenos, mesmo para um anão e aquele, em especial, parecia ser o menor e mais frágil deles. Tinha bem menos de um metro de altura e não pesava muito mais de vinte quilos. Sua pele era rosada e os cabelos loiros e crespos. Sempre cofiando um enorme bigode loiro, que lhe dava a impressão de ser um Cavaleiro de Solamnia em miniatura, apesar do enorme e desproporcional nariz que tinha.
O pequenino continuava a falar, sem se importar com o olhar fulminante que o neidar proscrito dirigia a ele.
- Sabe o que ele me falou? Que alguém da Guilda dos Vulcanólogos não entenderia nada disso, acredita? Aquilo me deixou bravo, meu; não sei como eles não explodiram o Monte Deixapralá ainda! Não! Definitivamente, não dava mais para aturar aquilo, então resolvi sair de lá e estudar os vulcões em Solamnia, claro que na época eu não sabia que não tinha vulcões aqui, mas sem problemas, tudo bem! De qualquer forma eles falavam muito sabe? Não sabiam a hora de ficar calados! Eu não! Eu sei muito bem, aliás, muito bem mesmo; quando não sou desejado, não fico por aí tagarelando como um kender, eu sou Dális, o gnomo!
Os outros viajantes, ao ouvirem isso, se permitiram dar generosas gargalhadas. Todos achavam extremamente divertido o fato de que o pequeno tivesse ficado amigo do anão, justo do anão! Thorvalen era quieto como uma porta e quase não falava com ninguém, sempre solitário, sempre taciturno. Dális era seu oposto, o outro lado da moeda. O pequenino, simplesmente, não parava de falar.
Os mercadores já tinham feito apostas, entre eles, de até quando o Proscrito agüentaria aquilo, imaginando se não seria aquele o dia em que finalmente o gnomo teria sua cabecinha esmagada pelas poderosas mãos do anão da colina, ou ao menos, que seu corpo fosse arremessado para bem longe.
A criaturinha realmente estava inspirada naquele dia.
- Ah, isso me lembrou de uma coisa! – Dális olhou para Thorvalen. – Vai gostar, tem elfos nessa história! – alisou o bigode vasto e continuou. – Um dia estava na Floresta Enegrecida, ou seria Mata Escura? Ih, eu sei lá! Bom, estava no bosque e caminhava tranqüilamente com meus botões quando de repente, não mais que de repente...
Repentino foi o pulo que o neidar deu. Ficou de pé, encima da carroça, em um instante. O gnomo se curvou achando que a paciência do novo amigo tinha terminado, que receberia um tabefe ou coisa pior, mas o golpe não veio. Ele olhou para o companheiro em pé e viu que outra coisa era o causador de sua súbita reação, algo no meio da estrada.
Sem o menor aviso, o anão proscrito saltou da diligência, que ainda estava em movimento, e caiu pesadamente, mas de pé, na estrada. Correu para frente, ultrapassando as carruagens, e se colocou no meio da estrada e à frente, com seu machado em punho, assustando a todos que viram seu inconcebível ato.
- Oh, espere por mim! – disse Dális. – Não quero que se meta em encrenca, meu amigo barbudo!
O pequenino esticou seus braços e foi prontamente atrás do parceiro, mas acabou tropeçando e tombou desajeitado na estrada gerando ainda mais risadas nos mercadores.
Entretanto aquela balbúrdia sequer tinha chamado a atenção do experiente mercenário. Ele avistara algo estranho na estrada e agora, tão perto, podia ver o que era. Isso o deixou mais agitado.
Havia sinais de luta, não precisava ser um guardião para perceber isso. O local estava todo revirado e tinha três corpos caídos na estrada. O anão da colina se aproximou e viu que se tratava de elfos, ou ele julgou ser. Eram guerreiros, pois viu várias das suas armas em volta, junto a várias chamas que estavam, estranhamente, por todo o lado.
O neidar também viu que duas estátuas de draconianos estavam ali, com flechas fincadas em seus pétreos corpos. Sabia que os baaz viravam pedra quando sucumbiam prendendo a arma que o matou, para desespero de seu oponente. No entanto, logo depois os corpos petrificados se reduzem a pó e como isso ainda não ocorrera, ele imaginou que o combate fora há pouco tempo.
A caravana parou e muitos foram ver o que tinha chamado a atenção de Thorvalen. Logo todos ficaram assustados, com medo de que tivesse sido um ataque de saqueadores e assim, eles seriam as próximas vítimas. O medo se alastrou rápido e Asmar, o líder, quase não conteve os ânimos.
O Proscrito chamou o único rastreador que tinham e pediu:
- Grimur! Olhe! Diga-me o que houve, exatamente, aqui!
- Claro! – respondeu o guardião.
O mateiro começou a observar o chão quando, atônito, percebeu o que ninguém tinha visto. Um dos elfos estava vivo ainda! Aproximando-se, viu que era uma elfa, uma kagonesti. Entretanto, o mais importante, é que ela estava viva, mas a morte a estava espiando. Então, logo que Grimur a viu, ele a pegou nos braços e, com toda a delicadeza que a situação permitia, levou para dentro de uma das carroças.
Todos correram para auxiliá-la, menos o anão e o gnomo. Ambos ouviram os murmúrios delirantes que a coitada proferira, e como os dois eram os únicos fluentes no belo idioma dos elfos, eles entenderam o que ela tentava dizer. Ela pedia por um livro que possuía, como se sua vida dependesse disso. Assim, os pequenos e improváveis companheiros se prestaram à busca.
Dális saiu da estrada imaginando se o livro poderia ter caído longe. Já o neidar continuou no caminho e viu que algo queimava em um ponto. Bom na verdade aquilo não estava queimando, havia fogo em sua volta, mas o objeto não queimava e foi isso que chamou sua atenção. Thorvalen pegou seu machado e jogou sobre o fogo, extinguindo-o.
Claro que um machado normal não faria aquilo, mas o experimentado mercenário tinha uma arma mágica. Semelhante às ceifadoras gélidas, feitas na Fronteira Glacial no sul, a lâmina de seu machado era feita de gelo a uma temperatura extrema, que nunca derretia e tinha o corte de uma navalha.
A arma que Thorvalen tinha era ainda mais perigosa, pois fora feita por um anão da colina, do clã dos klar, com a ajuda do Povo do Gelo. Ambas as técnicas unidas criaram a Lâmina Glacial, um machado de guerra que além de nunca derreter, continha e apagava qualquer chama ou foco incandescente.
Assim, o machado mágico eliminou o fogo e revelou o livro que estava em seu interior. O guerreiro pegou o livro com cuidado, mas este não estava sequer quente e o examinou.
Era um livro antigo com capa de couro e de um metal que nem ele, um mestre ferreiro, soube identificar. Também não soube dizer o que estava escrito, pois nunca vira antes aquela escrita, mas mesmo assim, achava muito semelhante a um livro dos magos, um grimório. O mercenário fez uma careta e guardou o livro, sem que ninguém o observasse.
Como todo anão ele não gostava de magia. Era fato que brandia a Lâmina Glacial, mas era, em sua visão, muito diferente da mágica dos arcanos. O poder do machado vinha de seu Deus Reorx, invocado pelos ferreiros que a fizeram, mas foi o poder dos magos que corromperam uma parte de seu povo eras atrás e foi um arquimago que os levou à Guerra sob os Portões dos Anões.
Thorvalen olhou em volta e pegou as armas que acreditava pertencer aos elfos e assim chamou por seu diminuto parceiro:
- Venha logo sua matraca! Vamos ver como ela está!
- Já tô indo – respondeu Dális.
O neidar não percebeu que o gnomo estava em um estranho silêncio, aturdido com a imagem que estava contemplando. Ele via o corpo de uma elfa morta, mas não outra elfa e sim a mesma que acabaram de levar para as carroças. Ainda tentando entender aquilo ele se virou e seguiu o anão proscrito, que nada tinha percebido.
Foi um Grimur abatido que viram na carruagem, pois estava tentando estancar as terríveis lesões da kagonesti, mas a esperança já o tinha abandonado. Os ferimentos eram sérios demais e não se podia fazer nada ali.
O guardião murmurou uma reza a Habakkuk, seu Deus. Foi então que viu, entre os pertences da vítima um saquinho típico para se carregar bandagens. Ele pegou a bolsa e viu que estava cheia de uma planta que ele conhecia bem.
- Uma Orvalho-da-aurora! – disse com alegria. – Essa erva tem propriedades curativas, vai ajudar muito!
O alívio foi sentido por todos e com aquelas ervas a elfa foi curada.



Dois dias se passaram para que a kagonesti abrisse os olhos, mesmo que por pouco tempo, pois ainda estava abatida com a saúde febril. Estava nas casas de cura de Solanthus sob os cuidados dos Crentes na Restauração, um grupo de sacerdotes pagãos que não acreditavam nos Deuses da Ordem das Estrelas.
Entretanto ela não teria sobrevivido até ali se não fosse o uso de suas próprias ervas. Ninguém se espantou ao saber que o nome da elfa selvagem era juntamente Orvalho da Aurora!
Os hospitalários cuidaram dela o melhor que puderam, mas seus ferimentos eram cruéis, pois tinham sido causados pelas lâminas peçonhentas dos draconianos e nenhuma cura, mesmo mágica, era capaz de sanar aquele mal tão rapidamente.
Temiam que aqueles ferimentos se agravassem com a viagem, mas não puderam persuadir Thorvalen a deixá-la, nem com a ajuda de Dális, que tinha se aquietado com tristeza pelo estado da jovem.
Aquela tristeza era sentida por todos, ninguém gostava de ver uma moça tão pequena e delicada estar sofrendo assim. Não era a mulher mais bonita que já tinham visto, mas possuía a beleza selvagem de uma flor do campo. Forte e ao mesmo tempo delicada, de expressões meigas, mas com espírito guerreiro.
Orvalho da Aurora tinha a pele morena que podia ser percebida nas sumárias roupas feitas de pele de cervo. Marcas de lutas cobriam seu corpo musculoso, mas tinha uma beleza que apenas uma jovem do povo élfico podia ter. Seus olhos cor-de-mel tinham uma luz indomável em contraste com as franjas de seus lisos cabelos castanhos que tinham feixes de loiro, indicando algum ancestral incomum.



A caravana seguiu viagem e Orvalho da Aurora os acompanhou sob os cuidados de Thorvalen que cuidava diligentemente dela. Seus ferimentos eram tão sérios que demorou mais uma semana para que a jovem pudesse recobrar plenamente sua consciência.
- Estamos no quarto Mishan do mês de Riaverde, pelos nomes dessa terra – informou Thorvalen. – Já atravessamos o rio Vingaard e estamos em um local chamado Lar do Cervo, um campo que fica entre o rio e as montanhas. Devemos chegar em Relgoth apenas um dia, mas está vindo uma chuva daquelas, se quer saber.
A elfa kagonesti podia ver o anão da colina sentado do outro lado da carruagem. Ele estava com seu machado e besta encostados na parede ao lado e fumava um cachimbo de algum tabaco com um cheiro muito forte.
Ela se sentou, pois estava nas cadeiras da carroça adaptadas na forma de uma desconfortável cama, e deu uma boa olhada pela janela.
- Não irá chover até chegarmos lá – explicou a kagonesti, com um tom ríspido; – E vejo que a caravana continua mesmo eu estando machucada!
- Bah, humanos! – respondeu o mercenário. – Ainda do pior tipo, mercadores!
- Humanos e um anão! Espero que não tenham me roubado nada!
As palavras rudes da elfa tinham um motivo. Seu povo era selvagem e por isso sempre foram maltratados e expulsos de suas terras, mesmo pelos outros elfos. Por isso eram sempre tão desconfiados e ferozes. No entanto, o neidar não a compreendeu e ficou furioso. Levantou-se e disse:
- Aqui está seu livro – fez uma pausa para entregá-la. – Pelo jeito está melhor, então meu assunto aqui acabou. Não precisa agradecer por ter salvado a tua vida!
- Espere! Onde estão meus companheiros?
- Mortos! – a resposta rude assustou o próprio mercenário. – Enterramos como se faz nessas terras.
- Oh! Obrigada! – gaguejou a kagonesti com os olhos já marejados. – Desculpe meus modos, sei que lhe devo muito!
Thorvalen fez uma careta e saiu, mesmo com a carroça em movimento. Pulou com o machado nas costas e não queria mais saber daquela garota mal-agradecida. “Como todos aqueles fúteis elfos”, ele pensou, já devia ter imaginado que seria assim. Então por que estava tão irritado?
Orvalho da Aurora se prostrou dentro da diligência em que estava e iniciou um canto especial, um réquiem élfico, pelos amigos que perderam a vida. Pelo descanso de Hurian e Thandro em sua malfadada missão. Ela olhou para o livro e teve um certo conforto ao saber que suas mortes não foram em vão. Devia muito ao anão realmente.
Envolta em seus pensamentos ela quase não percebeu os sons de batalha do lado fora e só notou que algo estava estranho quando a carruagem parou. Olhou pela janela e viu o ataque, assim pegou a enorme lança e o arco que eram de seus parceiros, mas viu que estava ali também a Aljava de Silvanos.
Era um estojo de flechas que parecia simples, mas era encantado com a magia dos elfos. O coldre podia levar muito mais flechas que aparentava e não apenas isso, mas lanças e azagaias também. Bastava apenas que seu portador focasse seu pensamento em um item que estava na aljava que surgia magicamente. A kagonesti colocou a lança dentro e saiu preparando o arco.
A caravana estava sendo atacada por alguma tribo goblin, pois ela podia sentir seu mau cheiro antes mesmo de vê-los. Subiu na carruagem, com dificuldade, para ter uma melhor visão, e não estava tão errada.
Uma vez lá em cima, pôde observar o estandarte dos Cães Sedentos, uma estirpe que vivia nas terras ao sul de Solamnia, por isso ela estranhou ao vê-los tão longe. Algo estava muito errado!
As hordas de goblins vinham em dois grupos: um grupo de infantaria, chamados de farejadores, pois eram todos rastreadores, e o outro grupo de cavalaria, chamados de montadores, pois campeavam em seus worgs; os lobos gigantes que tinham domado há tempos atrás.
A elfa tirou uma flecha da Aljava de Silvanos e retesou seu arco o melhor que pôde, pois ainda estava muito fraca e seus músculos não se enrijeceram totalmente. Ela mirou em um inimigo com muita dificuldade dizendo:
- Morre cachorro maldito!
A seta atingiu uma das criaturinhas que estava portando a bandeira de guerra, que caiu imediatamente morta. Orvalho da Aurora virou rápido para o outro porta-estandarte, mas sua visão ficou bruxuleante e teve que parar para não cair. Estava tonta devido aos seus ferimentos e ficou brava por se sentir inútil.
Recuperada, ela ouviu a voz de Thorvalen ao longe:
- Não vai vir aqui conhecer Lâmina Glacial? Ótimo, duende, ela vai até tu!
O anão da colina alvejou, com seu machado, o último goblin que ainda tinha a bandeira de sua tribo e o arremessou longe, fazendo o monstrinho cair nos braços da morte. Ele então tentou pegar sua besta, mas percebeu que a tinha deixado, em meio à sua raiva, na carruagem da jovem selvagem. Xingou a si mesmo e quase não viu quando o worg se aproximou e o derrubou no chão.



A elfa ficou desesperada, pegou mais uma flecha e se aprontou para atirar, mas não conseguiu mirar, pois a carruagem meneava devido à forte pancada que a quase tombou. Olhou para baixo e ficou totalmente pasma.
- O Bugbear!
O bugbear e não um bugbear. A kagonesti reconheceu seu algoz, era uma das criaturas que a tinha atacado, um dos malditos que mataram Thandro e Hurian. Tinha voltado por ela, como todos de sua raça asquerosa, o monstro odiava os elfos e podia caçar tranqüilamente com seu faro de urso, o que tornava seu povo ótimos rastreadores. Aquele parecia o maior dos goblinóides, refletiu a jovem, e estava vigorosamente empurrando a carroça para derrubá-la.
Dális, que via a tudo escondido de baixo de uma diligência, tomou coragem e saiu correndo em meio aos cães goblins. Olhou para todos os lados procurando pelo seu companheiro anão e finalmente o achou e gritou por ele na esperança que ainda tivesse tempo para salvar sua nova amiga.
Entretanto a tática do bugbear deu certo e Orvalho da Aurora se estatelou no chão. Alguns de seus ferimentos abriram novamente causando uma dor nauseante. Ela vomitou sangue e, com a visão turva, mal percebeu o algoz se aproximar.
Ele a ergueu pelos cabelos e colocou seu focinho próximo ao rosto dela. Começou a falar algo em língua comum com um forte sotaque, que a kagonesti não entendeu devido à tontura. No entanto, ela sentiu bem a fedentina que exalava de sua boca cheia de dentes podres. Seus olhos lacrimejaram e finalmente estava entendendo o que a besta queria.
- Onde o livro tá, elfa vadia? – disse toscamente o homem urso. – Vamô; fala logo! Thurk moer ocê, Thurk ter levá livro pro Crod, Thurk moer ocê!
A criatura agarrou a cabeça da elfa com as duas mãos e começou a esmagar. Aquilo dava um prazer inenarrável para o bugbear, que pôde sentir os primeiros ossos estalando. Ele era um monstro perto dela, tinha mais de dois metros de puros músculos e pêlos; ela, embora forte como toda kagonesti, era pequena e de aparência frágil, perto dele.
Estava quase perdendo a consciência quando caiu...

3 comentários:

  1. Olá, Fábio! Obrigado pela visita lá no Museu do Terror. Sou fã de literatura de fantasia (capa e espada)e de role play game. Não li todo o conteúdo do teu blog pois ando sem tempo. Uma dica, para blog é melhor que você faça postagens dos capítulos mais curtas. Funciona bem... Tenho o primeiro volume de um livro de fantasia, escrito em pdf, se trata de Hylana nas Terras de Lhu. É fácil acessar lá pelo museu do terror. Nos falamos... Um grande abraço.

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  2. Então, está em formato para livro...
    Pensei mesmo em dividir, mas acabei desencanando!

    Obrigado!

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