Ascensão do Inimigo

A Guerra da Lança tinha chegado ao seu fim, grandes cavaleiros se sacrificaram para manter a paz, mas o exército maligno não tinha sido derrotado totalmente. Em sua poderosa fortaleza a Dama Azul ainda planejava um último ataque de sua Armada Dracônica aos Reinos de Solamnia. No entanto, um mal muito mais antigo foi despertado sem o conhecimento de nenhum dos lados. Um inimigo incrivelmente poderoso que usa sutilmente sua influência sombria para alcançar seus objetivos. Cabe a um grupo de bravos heróis confrontar esse perigo avassalador que a todos domina. O Sussurro das Trevas é um épico de fantasia dividido em três partes que narrará uma saga no mundo de Dragonlance.

Poema dos Seis Heróis

“A palavra será a redenção dos pecadores
Apenas o mais misericordioso a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O escudo será a proteção dos desamparados
Apenas o mais honrado o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A espada será a justiça dos oprimidos
Apenas o mais temerário a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O cajado será a lei dos desesperados
Apenas o mais prudente o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

A flecha será o equilíbrio dos soberbos
Apenas o mais sábio a portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas

O machado será a vingança dos esquecidos
Apenas o mais audacioso o portará
O Mal rastejará novamente para as profundezas”

sábado, 22 de maio de 2010

Capítulo III - Ela era uma Maga Agora

Selanthara caminhava indolentemente pelas casas de madeira envernizada quase não contendo sua própria felicidade, quase não demonstrando seu típico estoicismo. Tinha realizado um grande feito desta vez e com certeza saíra vitoriosa no Teste dos Magos de Alta Magia, a provação que todo aspirante a mago, todo neófito, deveria passar ou seria inexoravelmente caçado pela Ordem como um renegado. Seu mestre deveria estar muito orgulhoso naquele momento, ele não se arrependeria de ter confiado nela.
Ela era uma maga agora.
Mesmo em meio a toda essa alegria, a toda a sua satisfação, a aprendiz de mago pode ver o temor nos rostos das pessoas da pequena cidade solâmnica. Bem, Olmeiro não ficava exatamente em Solamnia naquele período. Estava, em verdade, na divisa leste com o outrora condado de Lemish, entre as colinas de Granada e a cordilheira meridional de Dargaard. Embora fique apenas a dois dias a cavalo de Solanthus, hoje a cidade estava mais próximas das mãos da infame Kitiara uth Matar, a Dama Azul, do que dos lordes cavaleiros.
A comunidade ficava na Floresta Enegrecida, que se estendia por quase toda Lemish, que continham vários tipos de plantas caducifólias, ou olmos como eram mais conhecidas. Essas olmeiras tinham grande importância devido à madeira negra que era retirada de seus arvoredos. Principalmente da Senhora-dos-Prados, que tinham o nome por “desafiar” as campinas, era constituída por um material de alta qualidade e muito resistente. Majestosa chegava a trinta metros de altura e era ótima para a construção de casas e muito utilizada por toda Solamnia.
Seus produtos eram levados ao sul para Porto do Chamado, que tinha o monopólio do transporte, para ser vendido a várias nações pelo Novo Mar. A “madeira de lei” era o principal produto comercializado pelos povos de Lemish e; junto com os cogumelos, legumes e as ervas; faziam parte de todo o seu sustento. Logo a floresta era vital para a sobrevivência dos lemishianos. Muitos trabalhavam nas matas, mesmo com as lendas e superstições que rondavam suas mentes e, de fato, não apenas animais viviam naqueles bosques lúgubres.
Assim a cidade era responsável pelo comércio de madeira com Solamnia, saindo do monopólio do Porto, e constituía quase um terço da economia do condado, o que não era pouco. No entanto, os olmeiros não tinham noção exata de sua grande importância. Como uma vila que cresceu rápido demais, a mentalidade conservadora ainda influenciava seus cotidianos. Eram, de certo modo, ainda muito provincianos, mas isso mudaria, pois Selanthara tinha passado no Teste com certeza.
Ela era uma maga agora.
Ao passar pelas largas ruas, todos que a viam tinham suas esperanças revigoradas. A jovem os inspirava e não era sem motivo. Ela era uma mulher linda, a mais bela que todos tinham visto em sua vida. Alta, muito alta na verdade, com um corpo bem desenhado que, sutilmente admirado por todos, estava envolto por suaves robes de seda Weya-Lu. Seus cabelos bem aparados e ruivos, raros naquelas terras, que tinham um brilho flamejante comparado apenas pelo ardor de seus olhos verde-esmeralda. Possuía um caminhar tão gracioso e delicado que causaria inveja as mais nobres damas da corte élfica.
Ainda muito jovem para vestir os Mantos Negros, é verdade, mas possuía uma confiança inabalável e um alto controle que impressionava até aos sábios arquimagos de Alta Magia. Era altiva e fria como uma escultura de mármore e sua natureza introspectiva davam a arcana um ar de mistério e fascinação. Assim, andava com passos firmes e determinados que alumbrava a pequena cidade.
Dirigiu-se ao centro com as expressões herméticas dos aldeões incluindo sua soberana Lady Herra que, convidativamente, a esperava nos portões do Palácio de Khalaran Shirak. O palacete era a única construção de pedras em toda aquela paisagem em mogno. Alguém com olhos mais atentos logo percebia que a construção era anterior a cidade, tratava-se na verdade de um antigo monastério cuja origem poucos conheciam agora, já que há muito, os monges tinham abandonado o local por motivos agora, acreditavam, imemoriais.
A Senhora de Olmeiro vinha de uma família antiga e nobre do Forte Espumante, que tinha esse nome devido a sua proximidade com o mar, onde suas ondas se quebravam na muralha, mas estava em ruínas agora.
Sua família se refugiou no Porto do Chamado e tornaram-se os principais comerciantes da Erva-dos-sonhos, mas sem grande dote, acabou por morar ao norte da Floresta Enegrecida.
Uma mulher de postura aristocrática e educação refinada. Era bonita, de cabelos castanhos claros que ondulavam sobre seus ombros. Tinha olhos grandes e amendoados que, diziam, encantavam qualquer pessoa. Pequena e magra lhe concebendo uma aparência de delicadeza, mas essa impressão que logo desaparecia diante ao seu porte nobre e firme. Extravagante, usava várias jóias e uma fina tiara que revelava sua posição.
Fez uma grande mensura, como convinha à situação, e convidou a jovem visitante a entrar em seu palácio:
- Seja bem vinda, minha cara dama Selanthara.
- Obrigada pela hospitalidade Milady. É uma honra estar em Khalaran Shirak! – respondeu a jovem maga em solâmnico e sem sotaque, causando estranheza em Herra.
- A honra é toda nossa! Faz muito tempo que esse palácio não recebia a visita de um Alto Mago, não?
- Certamente! Embora tenha sido construída por arquimagos há muito tempo, nenhum a visitou em toda a Era do Desespero!
- Então é realmente uma honra!
As duas mulheres entraram no palácio e, acompanhadas por um dos guardas, se dirigiram às escadarias da direita no salão de entrada. No primeiro andar foram até a sala de reuniões na extremidade norte da construção e subiram mais uma escada, essa em espiral, que levou a uma porta trancada, a única que a visitante tinha visto assim, e uma vez aberta pelo soldado, elas logo entraram. O homem fechou, com uma exagerada mensura, a porta e esperou do lado de fora, como se fosse uma típica ronda.
Seria ali o local para discutir os termos da submissão da pequena cidade de Olmeiro ao poder da grandiosa Lemish e assim, obviamente da, não menos poderosa, Armada Dracônica Azul. Era para isso que a arcana estava ali e não por outra coisa, se não por aquele momento de glória que tanto tinha lutado.
Selanthara unificara, há duras penas, os goblins da região. Os Arranca Crânios, Cães Sedentos, Devoradores de Tripa, Faca da Morte e até os indômitos Presa Ensangüentada, todas as tribos sob seu comando. Tudo como seu mestre desejara e agora, finalmente, teria alcançado o título da ordem de Alta Magia.
Ela era uma maga agora.
Estavam em um escritório, o único cômodo daquele andar. Tinha quatro enormes janelas, cada uma apontando para um ponto cardeal e, estando todas abertas, seria claramente a única fonte de luz naquela tarde. Tinha uma pequena escrivaninha adjacente à janela sul, quatro poltronas no centro e onde não havia janelas na parede, havia prateleiras com antigos livros.
As jovens se sentaram e não demorou muito para que trouxessem algo para beber.
- Suco de maçã? – ofereceu Lady Herra.
- Obrigada! – agradeceu a neófita e bebericou o refresco.
- Bom, quero lhe assegurar que nossa rendição é total!
- Ora, não se trata de uma capitulação e sim de um acordo. Acredite!
- Hum, difícil acreditar em sua boa vontade, arcana, com a minha cidade cercada!
- Posso dispensa-los se te causa tanto desconforto, Milady. Fazem parte apenas de minha guarda pessoal, te garanto! Além do mais, não ficarei aqui por muito tempo, quero apenas apreciar sua biblioteca e já partiremos, não tenha dúvida.
- Quanto aos termos desse tal acordo?
- Estão aqui, podes ler enquanto fico aqui. Não é nada demais, o comércio com Solamnia continuará em tempos de paz, seus negócios estão seguros, tem minha palavra. Nada mudará!
- Certo!
A Lady daquela pequena cidade sabia que aquilo era uma ilusão, e percebeu a fragilidade do acordo com o “em tempos de paz”. Havia uma outra guerra em iminência, sua experiência permitia perceber que aquele momento era apenas a calmaria antes da tormenta. Entretanto, se esse raciocínio não fosse o suficiente para convence-la, as diferentes tribos de goblins, que só trabalhavam juntas com um líder forte, seria um indicativo suficiente para saber que uma guerra total estava surgindo no horizonte. Sabia que tinha que fazer algo para sobreviver.
Ela olhou para os arredores dali, e viu que não havia apenas goblins, mas seus parentes hobgoblins e bugbears também formavam o corpo do regimento sob o aparente comando da maga, e sentiu um medo avassalador. Embora não soubesse, havia outras criaturas muito mais perigosas que Lady Herra não conseguia ver, mas apenas supor, que faziam parte do séquito de sua convidada. Estranhos grunhidos e urros a incomodavam visivelmente, tornando o ar pesado.
Selanthara percebeu isso e disse calmamente:
- Meus exércitos cuidaram do Senhor da Floresta!
- Mesmo?
Muitos podiam considerar que o Senhor da Floresta seria apenas uma lenda, um conto para assustar as crianças, e assim, amedrontá-las o suficiente para que elas nunca se perdessem na Floresta Enegrecida. Entretanto como soberana dos olmeiros sabia a verdade. Lenhadores sumiam para nunca mais serem vistos e todas expedições de caçadores falhavam miseravelmente. Havia alguém, ou melhor, alguma coisa naquele bosque.
Teria, a aprendiz dos Magos de Alta Magia, realmente extinguido aquele terror? Seria muito bom, pois assim os homens iriam mais ao fundo, e com maior dedicação, para o interior da mata. Um bom incentivo aos seus negócios. No entanto, aquela neófita teria realizado tal feito? Teria poder para tanto?
Parecia que a mulher tinha lido os pensamentos da senhora de Olmeiro, pois ela a olhou com arrogância, mas suas expressões eram tão transparentes que Selanthara nem precisaria. Sua decepção era óbvia e não havia outra saída, se não aceitar os termos do acordo.
A imponente visitante se satisfazia com tudo aquilo e ficara orgulhosa de si mesma. Tinha subjugado a última cidade da fronteira de Solamnia e nada estaria fora de seu controle, nada a deteria desta vez. Tudo ocorria exatamente como fora planejado. Seu treinamento estava completo.
Ela era uma maga agora.
- A deixarei aqui como me pede. – falou Lady Herra, esquivando-se de uma solução para o acordo – Me chame conforme seu desejo.
- Farei isso com certeza, Milady. Obrigada! – agradeceu a arcana e esperou a saída sua anfitriã e disse para o aparente vazio. – Já pode se revelar Seleth, ela já foi!
- Sei que ela se foi neófita!
Uma estranha voz respondeu a arcana. Logo uma imagem onírica foi se formando na frente da mulher que não esboçou nenhuma reação. A figura se tornou visível, era um draconiano. No entanto, não um simples homem-dragão, mas o mais poderoso deles, um Aurak.
Sorrateiramente Seleth caminhou em volta da maga parecendo que ele daria o bote, faria um ataque soturno, a qualquer momento. Muitos, mesmos alguns Altos Lordes Dracônicos, teriam medo diante do hediondo monstro, mas Selanthara não esboçou nenhuma reação, o que causava grande curiosidade no assassino dourado e sempre o deixava incomodado.
- Está com fome, minha Navalha no Escuro?
Perguntou desafiadoramente a mulher usando a alcunha do matador dracônico, era famoso por se alimentar do coração das suas vítimas, e às vezes matava apenas para se alimentar. Como aurak ele podia se alimentar de qualquer coisa e junto a isso, todo draconiano dourado gostava de ficar com souvenires de suas vitimas, assim uma coisa levava a outra lhe dando um hábito nefasto, é verdade, mas que aterrorizava seus inimigos.
Seleth gostava desse nome, sempre nas sombras, sempre sozinho. Auto-suficiente, julgava-se superior aos outros e não gostava trabalhar com seres inferiores, como ela. Então pronunciou revelando:
- Não encontrei o que procura aprendiz dos Magos de Alta Magia!
Havia sarcasmo nas palavras da criatura, que sempre a provocava fazendo questão de lembra-la que ainda não era uma maga. Os auraks sempre faziam isso, pois sabiam de sua origem, e por isso tinham consciência que eram os mais poderosos draconianos de todos. A arrogância estava na personalidade de todos homens-dragão dourados.
- Já sei disso meu caro e sei onde está agora! – disse Selanthara.
- Então meus serviços não são necessários... – comentou o monstro, ainda com arrogância.
- São sim, porque o grimório não está aqui!
Navalha no Escuro não pode conter seu espanto. A neófita tinha revelado o conteúdo da caixa, um grimório, um livro de magias. Foi então que percebeu o que estava acontecendo. Olmeiro era realmente importante, mas não apenas pelo ouro que traria aos cofres da Armada Dracônica, mas traria a ela um dos artefatos mais procurados de todos, o Grimório de Magius.
Claro! O Palácio tinha sido construído há muito tempo para guardar seus segredos e seu próprio nome, Khalaran Shirak, era o nome da mais famosa magia de Magius, capaz de expulsar para sempre uma entidade extraplanar. Indagou-se sobre o por quê daquela demanda.
- Então, obviamente, quer que eu o ache? – perguntou a criatura.
- Sim, os Cães Sedentos acharam o rastro de três elfos saindo daqui e se dirigindo a Solanthus.
- Hurf, farejadores goblins! Não dá para confiar neles.
- Mesmo assim é melhor conferir, leve um dos Retalhárvores com você. Se forem elfos, nada melhor que ter um bugbear para caçá-los.
Essa era uma ordem direta. A arcana tinha feito isso para manter sua autoridade e o homem-dragão sabia disso. Como ele sempre a provocava, ela tinha que mantê-lo na linha e embora nunca admitisse isso, o assassino dourado a admirava nesses momentos. Seria uma grande comandante.
Ela era uma maga agora.
Entretanto o draconiano não gostou da idéia, não queria trabalhar com ninguém. Qualquer que o acompanhasse, provavelmente, mais o atrapalharia mais que o ajudaria. Seria um peso morto, sem dúvida. Contemporizou aquela conflitante situação e traçou rapidamente um plano.
Veja bem, Seleth não era o aurak mais sagaz dos exércitos da Rainha das Trevas, mas tinha a incrível capacidade de raciocinar rápido sempre se adaptando as mudanças e reviravoltas, esse era o seu talento.
Teria que levar mais companheiros realmente, mas se isso não tivesse remédio então que fossem outros draconianos, que ao menos fossem outros de sua letal raça. Enfim, com firmeza disse:
- Levarei um grupo avançado de draconianos e nada mais!
- Pode levar quem quiser, não tem importância, mas o bugbear vai também, como eu ordenei e isso é um fato! – e continuou com palavras firmes – Estamos entendidos ou terei que substituí-lo?
Os olhos reptillianos ficaram vermelhos de raiva e o monstro encarou ameaçadoramente a aprendiz dos Magos de Alta Magia, mas esta não desviou o olhar, continuando com seu eterno estoicismo. Navalha no Escuro não encontrou fraqueza nenhuma nela, então foi obrigado a desviar o olhar.
Embora ainda desconfortável Seleth, obediente, fez uma mensura e voltou as sombras, de onde saíra, mas não antes de escutar o último insulto de sua chefa:
- Não falhe comigo desta vez!
Selanthara finalmente pode se permitir livrar-se de suas obrigações. Estava totalmente sozinha agora e ninguém entraria lá sem que assim pedisse. A noite já tinha caído a arcana agradeceu a isso, pois ficava muito mais à vontade na escuridão.
Olhou pela janela e viu a escura Nuitari, a lua que apenas os magos de mantos negros podiam ver, em quarto minguante e isso não a confortou. Também podia ver a Solinari em plena quarto crescente. A lua prateada ascendendo e a lua negra declinando, isso não era um bom presságio, ou ao menos, não para ela.
Desviou desses pensamentos agourentos e voltou a sentar pesadamente na desconfortável poltrona do palácio de Olmeiro. Totalmente relaxada quase nem percebeu que assumira sua forma verdadeira agora. A neófita não era humana.
Mesmo olhando para ela agora, mesmo vendo sua pele azul de extrema maciez e beleza, muitos não saberiam que criatura era aquela. Apenas os grandes sábios, os estudiosos do passado e aqueles que não deixam a história se tornar lenda, poderiam dizer o que se tratava de uma Irda.
Um Alto Ogro, muito diferente das decadentes criaturas, estes estão mais próximos da raça original e não foram amaldiçoados pelos deuses como os outros. Não eram malignos a despeito de sua origem, sempre buscavam ser bons e justos, mas por sofrerem terríveis maus-tratos das outras raças, preconceituosas, eles há muito aprenderam a se transformar, escondendo suas verdadeiras formas durante a vida inteira.
Assim, momentos como aquele eram raros para Selanthara. Apenas longe dos olhos dos outros indivíduos é que poderia assumir sua forma verdadeira. O preconceito que sua raça sofria era ainda mais implacável, pois há muito, os Irda tinham renegado sua origem maligna e abraçado à causa do bem, mas ela era diferente. A arcana não era assim, não tinha vergonha de sua origem, pelo contrário, tinha orgulho por ter sido criada pela suprema Takhisis. Totalmente dedicada a Rainha das Trevas, tornou-se uma seguidora do filho da Deusa, o maligno Nuitari, o Noturno.
Novamente foi admirar a lua obscura que, não refletindo a luz do sol, não passava de um ponto escuro no céu, mas aqueles que usavam a arte negra da magia podiam vê-la de outra forma e assim apreciar sua perversa beleza.
Entretanto algo aconteceu, uma coisa que a maga não esperava, ou ao menos não agora. A jovem mulher pode ouvir palavras que eram trazidas magicamente, quase que como singelos ecos, pelos ventos uivantes da noite. Tentou identificar o que era, mas a voz sibilante rapidamente revelou sua nefasta origem.
- Saiu-se muito melhor que o esperado, minha aprendiz.
- Obrigada, meu mestre e arquimago Velthorm. – respondeu a neófita – Entretanto não estou com o grimório!
- Ele será seu presente por ter concluído o Teste de Alta Magia. Seu presente mágico!
A felicidade invadiu a mente de Selanthara. Um presente como aquele não era concedido para qualquer um que fosse aprovado no Teste, mas apenas para aqueles que o faziam quase perfeitamente. Tentando esconder seus sentimentos, como era o costume de sua raça, ela falou:
- Na verdade está quase em minhas mãos, meu mentor. Logo teremos o Grimório de Magius!
- Certamente, mas esse assunto não mais ocupa meus pensamentos!
- Mestre! Achei que era seu objetivo também se apossar do objeto?
- Achou não? No entanto, agora outro livro, bem mais antigo, me revelou a Última Torre.
- Harkiel?
- Sim, a dragoa vermelha finalmente me concedeu o livro!
- Como Dracart recebeu isso?
- Mal eu imagino, mas não tem relevância! A cada dia estou mais próximo de meu objetivo principal.
- Irá partir agora, imagino...
- Claro que imagina, não é mesmo? Entretanto não o farei, pois ainda tenho que fazer os preparativos. Conjurar o Antigo não é uma tarefa que pode ser feito com magias vulgares, são rituais Selanthara, rituais ancestrais!
- Sim, eu compreendo mestre!
- Compreende? Antes de ir devo passar por Olmeiro. Quero que faça algo por mim e não deve tardar.
- Estou as suas ordens, meu mestre!
- Preciso de crianças, bem jovens ainda! Não sei o número certo, mas é melhor conseguir dez no mínimo?
- Como farei isso meu senhor?
- Ora! Você domina as cidades do norte de Lemish, peça como tributo!
- Não posso! Sou protetora dessa gente, não uma vil tirana!
- Não importa como vai conseguir, apenas faça!
A Irda sentiu a presença de seu poderoso mestre esvair-se. Sentou novamente e tentou encontrar uma solução. Se ela exigisse de Lady Herra as crianças ela teria uma rebelião com certeza, mas não poderia desagradar seu mestre de forma alguma. Pela primeira vez em muito tempo, não sabia o que fazer.
Olhou para a escrivaninha, buscando um resultado para seu novo e perturbador contratempo. Então viu algo que não estava lá antes. Era um robe dos Magos de Mantos Negros, que só por eles poderia ser usado. Concluiu que o arquimago Velthorm estava oficialmente a admitindo entre os Magos de Alta Magia.
Rapidamente tirou suas leves roupas que trouxe de Khur e, como uma ninfa, ficou nua sob a Solinari. Sua tênue pele azul brilhava refletindo a luz prateada da majestosa lua. Deslizou os dedos no traje sentindo claramente a arte refinada da magia em todo o seu traçado. Pode ler as inscrições de proteção contidas em seu tecido.
Admirada vestiu delicadamente a escura vestimenta e se aprumou. Sim, tinha alcançado os seus desejos e estava tão satisfeita que se dissipou completamente as névoas que a impedia resolver seus problemas. A resposta era fácil e obvia. Iria recorrer aos caçadores de escravos do Chifre Quebrado. Assim não raptaria as crianças de Olmeiro e seu impiedoso mestre teria o que pediu.
Selanthara sentiu orgulho de sua própria inteligência e, em seus novos mantos negros, empertigou-se. Seria uma arcana que teria seu nome lembrado na história de Krynn. Os estetas escreveriam sobre ela e os heraldos proclamariam versos em sua homenagem. Nada poderia impedi-la desta vez...
Ela era uma maga agora.

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